*Camilo Capiberibe
A manutenção do veto 17, que suspendeu a contagem de tempo para benefícios aos servidores públicos nas três esferas da federação e também a concessão de reajustes salariais para os trabalhadores da linha de frente de combate ao coronavírus, na noite da última quinta-feira (20), na Câmara, foi um mau presságio aos que acreditam que os custos da crise sanitária e de uma recuperação pós-pandemia deveriam ser distribuídos de maneira igualitária na sociedade brasileira.
Ao mesmo tempo, sinaliza claramente para um fortalecimento da agenda de reformas, cortando, como é de costume, no mesmo lado de sempre. “O país vai ficar inviável sem a reforma administrativa” declarou no jornal O Globo do dia 21 de agosto, seguinte à votação, o executivo Walter Schalka, presidente do grupo Suzano, e completou: a administrativa seria “a mãe de todas as reformas”.
Tudo isso acontece no que parecia ser o momento em que a reforma tributária tentava ganhar espaço na agenda de debates. Sobre esse tema, a oposição formulou conjuntamente e protocolou a PEC 05/2019, na Câmara, buscando inverter a lógica atual do nosso sistema de tributação: baseado no consumo para a renda e dos mais pobres para os mais abastados. No entanto as chances de uma proposta como essa entrar na ordem do dia são remotas, como fica claro com a insistência do governo de Jair Bolsonaro em tentar recriar a CPMF e com os esforços do mercado em conseguir tão somente uma simplificação do nosso complexo sistema tributário.
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Em tempos de pandemia, a manutenção do veto 17 tem duas vítimas em potencial: a reforma tributária (que para a sua efetivação pressupõe a superação de interesses conflitantes não apenas políticos ou de visão do que deveria ser nosso sistema de tributação, mas de ganhadores e perdedores no setor privado e nas três esferas do setor público) e os servidores públicos.
PublicidadeEsses últimos têm sido um alvo fácil no Brasil desde que, em 1989, o povo elegeu um presidente da República cuja principal qualificação era ser um caçador de “marajás”. E, dito isso, é preciso reconhecer que há distorções numa elite de servidores com benefícios extraordinários extra-teto (promotores, procuradores, juízes, desembargadores e outras poucas carreiras), mas eles não são a regra e sim uma exceção e com esses, mais uma vez, dificilmente se vai mexer.
Foram 316 votos pela manutenção do veto (suficiente para mudar a Constituição Federal) e 165 contra. Um bom termômetro do ambiente reinante foi o placar da votação na bancada do Amapá, o meu estado, que como ex-território e estado federado recente, ainda tem boa parte de sua economia atrelada aos ganhos de servidores públicos das três esferas: a conhecida economia do contracheque. Cinco parlamentares de uma bancada de oito votaram pela manutenção do veto e isso é um sinal claro de que essa composição da Câmara tem a disposição de levar adiante essa agenda.
O Brasil é o país que oferece R$ 320 bilhões em subsídios fiscais anuais ao setor privado mas responsabiliza os funcionários públicos pelos seus problemas de caixa e esses e outros dilemas que vivemos são, muitas vezes, apresentados de maneira distorcida para a sociedade que não consegue perceber que entre o professor da escola do município na esquina de casa e o procurador de justiça da Lava Jato existe uma diferença abissal de direitos e rendimentos. Somos o país em que o teto remuneratório do serviço público inscrito na Constituição é solenemente ignorado e seu simples cumprimento já seria um grande avanço por mostrar que as leis existem para serem cumpridas.
A manutenção do veto mostrou que é mais fácil congelar salários e retirar benefícios de servidores públicos do que aprovar uma reforma tributária que realmente promova justiça social, cobrando mais de quem mais ganha e dotando o Estado da capacidade de prover serviços de qualidade e cidadania no Brasil. O executivo mostrou qual é a prioridade do mercado que, não por coincidência, também é a do Presidente da Câmara, que subiu à tribuna para defender, em nome do seu partido, a manutenção do veto. Por essas e outras me parece evidente que a reforma administrativa será a bola da vez no pós-eleição de 2020.
Retirados direitos dos servidores – sob aplausos desinformados de muitos e num ambiente de letargia geral – o próximo passo será enfraquecer o serviço público, punindo duplamente o usuário, que não verá justiça tributária no país, mas sentirá sumir atividades públicas que lhe são fundamentais.
*Camilo Capiberibe é deputado federal do PSB eleito pelo Amapá.
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