Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19*
Na última terça-feira (27) foi instalada no Senado Federal a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da covid-19 no Brasil. Dentre as atribuições da comissão, destaca-se o debate sobre o agravamento da crise sanitária no Amazonas, com a ausência de oxigênio para os pacientes internados; as possíveis irregularidades em contratos, fraudes em licitações com empresas de fachada e, sobretudo, o papel do governo federal no agravamento da crise da saúde pública no país.
Os senadores têm diante de si a oportunidade de começar a corrigir os rumos de uma tragédia que já vitimou 400 mil pessoas e que, infelizmente, ainda custará a vida de alguns outros milhares de brasileiros e brasileiras.
Antes da instalação da CPI, o governo federal já atuava contra as investigações, buscando atrapalhar a atuação parlamentar. A dispersão de esforços, as disputas meramente eleitorais e os acordos palacianos não passam de estratégias para impedir que o Senado Federal debata como e quem coordenou a política de desinformação e sabotagem ao Sistema Único de Saúde, ampliando o número de mortos e promovendo o caos social.
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A estratégia é conhecida e os caminhos para que não haja qualquer resultado no âmbito da CPI são inúmeros. O mais óbvio é que o governo tente ampliar demasiadamente o objeto da investigação, a ponto de impossibilitar que se chegue a alguma conclusão. Foi o que se viu já na primeira sessão. Quanto mais se perderem em questões laterais e se deixarem levar pelo diversionismo governamental, menos o Parlamento e a sociedade brasileira conseguirão se aproximar dos fatos e da indicação dos responsáveis pela tragédia da covid-19 no Brasil.
O tema das vacinas é talvez o mais importante fio para guiar as investigações e evitar as distrações propostas pela bancada governista. A história brasileira de desestímulo à produção, aquisição e distribuição de vacinas contra covid-19 ultrapassa o surrealismo e choca qualquer analista bem intencionado. Segundo levantamento realizado pelo Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19, a ação recente do governo federal na promoção da desinformação e do negacionismo científico foi central para retirar o país da condição de um dos melhores países do mundo no campo da pesquisa e da cobertura vacinal. O que se viu foram resultados pífios durante a maior pandemia dos últimos 100 anos.
PublicidadeO problema não se restringe à não aquisição das vacinas para covid-19, mas também a queda da imunização para outras doenças e o sucateamento de toda atenção básica que, nos últimos dois anos, está sendo violentamente desfinanciada. Em 2020, primeiro ano da pandemia da covid-19 e segundo ano do governo de Jair Bolsonaro, o país teve o seu segundo pior desempenho vacinal da década (66,42%) e, quando começaram a ser pesquisadas as vacinas para covid-19, escolheu ficar de fora da corrida internacional, deixando acabar os estoques de compra de doses de vacina no mundo enquanto o país contabilizava milhares de mortes por dia.
De acordo com investigações realizadas pela imprensa, o governo federal – dolosamente – recusou mais de 10 ofertas internacionais para compra de vacinas, atritou com o governo chinês, que dispunha das melhores condições para auxiliar o Brasil na compra de vacinas e insumos hospitalares e, internamente, ainda disputou com os governos estaduais, dificultando a implementação das medidas de isolamento social e de distribuição de imunizações. Os resultados da política negacionista são evidentes: entre os grupos prioritários, apenas indígenas aldeados têm uma taxa razoável de imunização, ou seja, tomaram as duas doses em mais de 48% da sua população total. Quilombolas, ribeirinhos, população em situação de rua, população em situação de prisão e funcionários do sistema prisional estão em menos de 1% de taxa de imunização e estão em situação de risco iminente.
Os dados estão todos sobre a mesa, resta à CPI não cair nas ciladas do diversionismo, nomear individualmente os responsáveis e indicar as medidas cabíveis no âmbito administrativo e judicial. Investigar a vacina nos parece ser um excelente fio da meada.
*Emanuelle Góes, Doutora em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia; Felipe da Silva Freitas Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília; Yasmin Rodrigues, Cientista Social e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os três são pesquisadores do Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid-19, uma ação de um conjunto de organizações sociais e movimentos populares para monitorar, formular e sistematizar informações relativas aos direitos humanos no contexto da pandemia de coronavírus.
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