Ana Carolina Brasil Vasques*
Lina Santin*
O sistema de tributação sobre o consumo brasileiro é arcaico, sofre com incidências cumulativas, problemas decorrentes da tributação na origem e a guerra fiscal entre Estados, acúmulo de créditos que nunca ou dificilmente são devolvidos, até mesmo nas exportações, comprometendo a neutralidade do sistema, a produtividade e competitividade do País e a própria arrecadação.
O ICMS – imposto de competência estadual, com incidência sobre a circulação de mercadorias, transporte, comunicações e energia elétrica – é um dos tributos mais complexos, responsável de grande parte das distorções do atual modelo de tributação. Dentre as práticas equivocadas adotadas na sua cobrança, destaca-se o uso abusivo e descoordenado do instituto denominado “substituição tributária”, o famoso ICMS-ST.
Trata-se de um mecanismo de transferência da responsabilidade pelo recolhimento do ICMS incidente ao longo de toda cadeia de comercialização para um contribuinte do início, frequentemente o fabricante ou importador, que passa a ser responsável por calcular e pagar o imposto devido não apenas sobre suas operações, mas também sobre as futuras etapas da cadeia até o consumo final do bem ou serviço. Esta antecipação do tributo facilita a atividade da administração tributária, mas gera diversos problemas para o contribuinte: complexidade no cálculo, distorções, problema no fluxo de caixa, dentro outros.
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Pois bem. Uma das maiores conquistas da Emenda Constitucional (EC) 132 aprovada em 2023 é a simplificação do complexo ordenamento tributário, a qual só é possível se concretizar com a extinção do ICMS, que será substituído pelo IBS, de competência compartilhada pelos Estados e Municípios. Atualmente, os Estados e Distrito Federal – 27 entes – detém competência para legislar e instituir suas próprias regras de ICMS e substituição tributária. Na prática, o mesmo produto pode ou não ter ST, dependendo do Estado, com diferentes MVAs (margem de valor agregado), além dos milhares de benefícios fiscais regionais, setoriais e diferencial de alíquota.
A manutenção desses mecanismos nos novos tributos não reduzirá a complexidade e tampouco servirá para corrigir essas distorções. O modelo adotado pelo IBS e CBS será regido pelo princípio da neutralidade e com legislação uniforme aplicável em todo território nacional, garantindo efetiva da simplificação.
No estágio atual da reforma, o debate está concentrado nos projetos de leis complementares, tarefa hercúlea que, no âmbito do Poder Executivo, vem sendo conduzida auspiciosamente pela equipe do Secretário Extraordinário Bernard Appy. As discussões em torno desta regulamentação revelaram recentemente que os Estados não querem renunciar à retrógrada substituição tributária, hoje responsável por 38% da arrecadação do ICMS.
Trata-se, contudo, de técnica ultrapassada e incompatível com o modelo IVA adotado. A ST contraria os princípios da (i) simplicidade, pois aumenta complexidade e custos de compliance, (ii) neutralidade e livre concorrência, uma vez que desestimula a eficiência empresarial, afasta a natureza de valor agregado e interfere até mesmo na formação do preço do produto, especialmente quando pautada em valores estimados de venda ao consumidor final. Trazer a ST para o novo sistema é um equívoco monumental, capaz de comprometer diversos avanços e potenciais ganhos prometidos pela reforma.
Relembre-se, ainda, que uso exacerbado da ST que deveria ser aplicada apenas à operações específicas, também constituíram, na prática, formas de tentar aumentar a arrecadação sem incorrer no desgaste político de majorar alíquotas mediante lei, por meio, por ex., dos ajustes de Margem de Valor Agregado (MVA) que não correspondem à realidade do mercado.
Acrescente-se que em 2016, no julgamento do Recurso Extraordinário 593.849, o STF decidiu pela não definitividade da ST, por entender que diante dos recursos tecnológicos atuais é possível aferir o real valor da operação. Isso aumentou a insegurança jurídica e piorou o ambiente de negócios, pois não apenas os contribuintes podem requerer o ressarcimento dos créditos relativos ao imposto antecipado a maior, como também as Secretarias da Fazenda podem cobrar a complementação do imposto no caso das saídas à valores inferiores àqueles que serviram de base para a antecipação.
Além de ser um retrocesso, a utilização da substituição tributária com o objetivo de reduzir a sonegação se torna desnecessária com o novo mecanismo de Split Payment, que prevê o recolhimento do tributo no momento da liquidação financeira, impedindo a sonegação. Trata-se mecanismo que promete maior eficiência no combate a sonegação sem causar as distorções e problemas da ST.
Lembrando que na ST, o recolhimento ocorre no início da cadeia produtiva, podendo demorar meses, ou até anos, para que se realizem os fatos geradores subsequentes. Já no Split Payment, o recolhimento será feito no momento da liquidação financeira, com saldo credor da operação devolvido em até 3 dias úteis, gerando um impacto visivelmente muito menor ao fluxo de caixa do contribuinte, quando as operações forem à vista.
Há, contudo, um desafio no funcionamento do split payment quando as operações de aquisição ocorrem parceladas e a respectiva venda for a vista. Nesta hipótese, os créditos serão reconhecidos na medida que os pagamentos forem efetuados, enquanto o débito integral será à vista.
Essa é uma causa importantíssima para toda economia nacional e necessita do apoio de todos os parlamentares, uma questão inegociável para que ocorra simplificação no novo sistema tributário e não venha onerar ainda mais o preço dos produtos finais aos contribuintes. Melhorar o ambiente de negócios do Brasil, trazer crescimento e desenvolvimento é urgente e se torna imperativo a exclusão da substituição tributário no texto legislativo para que isso ocorra de fato e não vire matéria de negociação dos Estados no futuro.
Ana Carolina Brasil Vasques
Advogada tributarista, com MBA na Universidade de São Paulo (USP) em gestão Tributária. Pesquisadora no curso sobre Mulheres e Políticas Públicas na Universidade de São Paulo (USP). Mestranda como aluna especial em Direito pela PUC/SP. Fundadora do escritório Brasil Vasques Advogados. Presidente do núcleo de arbitragem do IBREI. Coordenadora do Núcleo Industrial da Associação Comercial de Tatuí/SP. Co-fundadora do Mulheres no Tributário.
Lina Braga Santin Cooke
Doutoranda em Direito Tributário pela PUC-SP. Mestre em Direito Tributário pela FGV. LLM em Direito Tributário pelo Insper. Pesquisadora e Coordenadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP. Diretora de Projetos do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), Presidente da Comissão de Reforma Tributária do IASP e Colaboradora do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) . Advogada, Sócia de Salusse Marangoni Parente Jabur.
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