Airton Florentino de Barros *
Diversas são as teorias que tentam explicar as razões pelas quais o eleitor procura votar no candidato que, segundo as pesquisas de intenção de voto, tem maior chance de ser eleito.
A primeira, talvez, seja a de que o ser humano tem grande necessidade de sempre estar com a maioria. É derivada da “teoria do homem escravo” de Aristóteles, segundo a qual mais de 90% das pessoas definem sua própria dignidade pelo fato de nunca assumirem comportamento diferente da maior parte da comunidade, ou seja, de acordo com as regras tácitas de costume geral, de tal modo que, mesmo sendo vítimas de tirania, continuam tolerantes e conformados, até que apareça alguém da minoria com voz revolucionária de comando.
Muitos, sob essa equivocada justificativa, chegam a entender que o voto correto não seria aquele ditado pela consciência do eleitor, a partir da identidade ideológica, do afeto pessoal, antecedentes e promessas do pretendente, mas o que for dado ao candidato que, no final, vier a vencer de fato o pleito eleitoral, quase num processo de adivinhação.
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Em outros termos, ficam os eleitores sempre acompanhando a projeção estatística do provável caminho a ser adotado pela maioria, ainda que continuem à espera de um milagre ou de um salvador da pátria.
Aliás, essa teoria é a que explicaria os sazonais movimentos de massa que costumeiramente provocam o aparecimento de modismos no estilo de vida, na linguagem, no vestuário, na música e dança e nas artes de modo geral.
PublicidadePor outro ângulo, em similar teoria, enquanto um pequeno percentual da população, para a neurolinguística, é constituído dos denominados “referenciais internos”, aqueles que produzem com inovação, observando apenas a sua própria consciência e seu individual poder criativo, a grande maioria da população é formada pelos chamados “referenciais externos”, aqueles que se restringem a copiar o que fazem os demais.
A segunda, sem considerar qualquer ordem de importância, seria a “teoria dos jogos”, ramo da matemática aplicada, que estuda posições estratégicas em jogos da economia, em que o jogador opta por diferentes operações na tentativa de obter o melhor retorno. No bojo dessa teoria matemática há exemplificativamente o chamado “dilema do prisioneiro”, para demonstrar que, por vezes, para que um jogador obtenha maximização das próprias vantagens, fica obrigado a colaborar com os concorrentes.
Encontra paralelo na teoria da evolução das espécies, por isso sendo por vezes denominada de darwinismo econômico ou empresarial.
No campo político eleitoral, vale tanto para o candidato, como para o eleitor.
Por essa teoria, se o jogador não é o próprio candidato que, por lógicas razões, pretende chegar diretamente ao poder, não quer ele, como simples eleitor, perder a oportunidade de ser considerado colaborador do potencial vencedor. É que, no final, interessado em manter-se forte na evolução ou preservação da espécie, o que pretende o eleitor é, no mínimo, manter-se o mais próximo possível daquele que chegar ao poder.
Daí a larga utilização do chamado voto útil. E assim, se o candidato preferido parece não ter chance de chegar ao segundo turno, vota-se, logo no primeiro turno, num dos dois mais prováveis vencedores, sempre em busca de ser visto por aquele que chegar ao poder como seu efetivo colaborador, com as possíveis vantagens decorrentes que, é verdade, podem graduar em importância, isto é, da nomeação a um cargo público até, quem sabe, aquele carinhoso tapinha nas costas a cada eventual encontro. Afinal, no dizer de Shakespeare, considera-se bem pago quem satisfeito está (O Mercador de Veneza, 1594).
Há, como se sabe, diversas outras teorias. Entretanto, as já mencionados são suficientes para demonstrar que o voto útil é mais nocivo do que benéfico ao processo eleitoral que, à evidência, especialmente no primeiro turno, não traduz o resultado com exatidão, isto é, conforme a verdadeira escolha espontânea do eleitor e de acordo com a autêntica representação popular.
O certo é que essa distorção acarreta trágicas consequências também para o segundo turno, caracterizado por isso, na maioria das vezes, pela contenda entre o ruim e o pior.
Nesses termos, sendo as pesquisas de intenção de voto relevantíssimas para o direcionamento do voto útil ou tático, não podem continuar sem a devida regulamentação.
É verdade que não se pode falar em proibição de divulgação de pesquisas eleitorais, como se propõe nos Projetos de Lei 4.574/2009 e 5.301/2020, entre outros, em trâmite no Congresso Nacional.
Entretanto, não se pode também admitir que, aproveitando-se da movimentação da massa popular pelo critério do voto útil, agentes econômicos e políticos afunilem o pluralismo político com a produção e divulgação de pesquisas de intenção de voto dois ou três anos antes de cada uma das eleições para cargos do Poder Executivo, visto que os dois primeiros colocados nelas apontados, desde antes das convenções partidárias destinadas à escolha de seus candidatos, muito provavelmente manterão a dianteira até a ocasião do pleito.
Tais estatísticas, por vezes, influenciam até mesmo ditas convenções partidárias, de modo que alguns partidos, supondo-se alijados do pleito logo no primeiro turno, até em razão da ausência de estrutura democrática interna, substituem seus verdadeiros líderes por candidatos inexpressivos ou os chamados fogo-de-palha, convertendo-se, assim, em verdadeiro balcão de negócios, com suspeitas coligações e venda de tempo de televisão para a propaganda eleitoral, entre outros censuráveis procedimentos.
Sem contar que os partidos políticos, assim como incontáveis agentes públicos, tornaram-se reféns do poder econômico beneficiário da maior parte do PIB e do orçamento público nacional.
Note-se que nos últimos trinta anos foi implantado e mantido no país o mesmo equivocado modelo econômico que, sem uma séria política de criação de empregos, manteve a concentração bancária e negou ao povo uma menos injusta distribuição de riquezas. Nesse período, passou o governo central pelo comando de diversos partidos políticos, até de ideologias opostas. Se, apesar disso, não houve modificação dessa política econômica neoliberal, que condenou o país ao crescimento zero, tudo aponta para o fato de que os governantes obedecem não à sua ideologia partidária, mas a um comando paralelo que outra coisa não pode ser senão a oligarquia empresarial existente tanto aqui como em todos os países ricos ou emergentes.
Não se cuida, pois, de mera ficção.
Meia dúzia de banqueiros, três ou quatro empreiteiros, igual número de megaempresários do agronegócio, industriais e senhores da grande mídia reúnem-se para a análise e definição da estratégia a ser adotada para a manutenção do status quo, ou seja, a perpetuação de sua hegemonia político-econômica no país.
Ninguém ignora serem eles os oligarcas da república brasileira. E, para alcançarem esse objetivo, entre os políticos que lhes prestaram o compromisso de manterem a política econômica e fiscal vigente, que lhes é benéfica, passam a definir o nome dos dois candidatos que deverão ter vitrine na grande mídia para serem apresentados logo nas primeiras pesquisas de intenção de voto como os principais concorrentes, únicos por eles autorizados a chegarem ao segundo torno.
Não seria prudente descartar a possibilidade de agentes de institutos de pesquisa, por ingerência da indigitada oligarquia, agirem na sutil modificação da metodologia de pesquisa para, na suposta margem de erro, aproximar ou distanciar os percentuais obtidos por um ou outro candidato, conforme a momentânea conveniência.
Nem se pode excluir eventual fraude produzida para direcionar ao segundo turno aqueles candidatos preferidos da citada oligarquia que, como se sabe, é quem encomenda e financia a produção das estatísticas de intenção de voto.
Evidente que a prestação de serviços deve ser remunerada. Ninguém ignora o fato de que as pesquisas são encomendadas, contratadas e pagas. Em outros termos, são vendidas. Sabe-se, ainda, que o vendedor, em princípio, vende o que e como deseja o comprador, a fim de mantê-lo fidelizado à sua empresa. Nesse caminho, pode naturalmente sofrer assédios do comprador corruptor.
A propósito, é de chamar a atenção o fato de que, embora existindo centenas de pessoas e empresas habilitadas à realização de pesquisas eleitorais com registro na Justiça Eleitoral, tais pesquisas continuem sendo invariavelmente encomendadas a um reduzido grupo de quatro ou cinco empresas especializadas.
Passível de fraude, então, ainda que em tese, a produção da pesquisa eleitoral. E, assim, sempre de forma imperceptível ao eleitor comum, muda-se a metodologia, forja-se um mais conveniente plano amostral, torna-se indutiva a entrevista, tudo para que só tenham chance os dois únicos candidatos ungidos pelas divindades oligárquicas à condição de predestinados ao segundo turno das eleições.
De fato, só os candidatos comprovadamente fiéis e obedientes conseguem transpor os obstáculos estatísticos até chegarem ao segundo turno.
Se o cuidado com a legitimidade do processo eleitoral é instrumento de defesa da democracia e uma luta diária até nas nações consideradas politicamente avançadas, com muito mais razão num Estado, como o brasileiro, que ainda se encontra num atrasadíssimo estágio civilizatório, a contar pelo medieval regime de abandono e fome que impõe a considerável parcela da população.
É necessário banir o voto útil ou impedir que seja ele utilizado por políticos inescrupulosos como instrumento de massa de manobra.
Assim, mais do que recomendável, torna-se mesmo indispensável a regulamentação da produção, comprovação, registro e divulgação das pesquisas eleitorais.
Há de se buscar um meio para ao menos dificultar eventuais ingerências de fraudadores e corruptos. É preciso criar, de fato, melhores instrumentos de checagem e fiscalização das estatísticas.
É verdade que, se os dados são registrados e divulgados pela Justiça eleitoral, os próprios partidos políticos podem exercer um papel fiscalizatório. Todavia, os partidos políticos já se tornaram reféns do sistema. Além disso, por não possuírem democracia em sua própria estrutura interna, os mais importantes partidos políticos nacionais converteram-se em empresas de um só dono, corrompendo-se. Basta ver, por exemplo, o permanente toma lá dá cá e orçamento secreto.
O que importa é que a produção desse relevante trabalho estatístico se torne mais eficiente, isento e transparente. E, analisando-se as condições atuais, pode-se apontar onde provavelmente estaria a vulnerabilidade do sistema, bem como sugerir algumas providências.
Sabe-se, pois, que, hoje, ao pedir ao TSE o registro de uma pesquisa eleitoral, deve a instituição requerente anexar informações como o nome de quem contratou a pesquisa e de quem pagou pela realização do trabalho, indicando o valor e a origem dos recursos e, ainda, juntando cópia da nota fiscal correspondente.
Nesse ponto, talvez fosse o caso de se exigir, além das citadas informações, a justificação acerca da natureza do interesse do contratante na obtenção e divulgação de tais dados.
Na ocasião do pedido de registro da pesquisa de intenção de voto, deve a instituição realizadora informar ao TSE, também, a metodologia utilizada e período da realização da pesquisa, o plano amostral, as ponderações estatísticas, o intervalo de confiança e a margem de erro, além do teor do questionário aplicado na entrevista.
A menos que apresentem inconsistências fáticas, como, por exemplo, eventual distorção de dados estatísticos oficiais do IBGE, sempre utilizados como fonte para as pesquisas eleitorais, cuida-se aí de informações técnicas de exclusivo domínio de profissionais habilitados nessa área da matemática.
De qualquer modo, resta, ainda, a sugestão de se alterar o sistema de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados.
É que, hoje, há apenas o sistema interno de controle, representado pela checagem de dados feitos pelos próprios empregados designados pela instituição realizadora do referido trabalho estatístico.
Talvez fosse o caso de se exigir que aquele que encomenda a pesquisa eleitoral custeie não só os serviços prestados pela instituição contratada para esse fim, como também os trabalhos de uma segunda instituição pesquisadora, sorteada pela Justiça Eleitoral entre as instituições habilitadas com o devido registo no TSE, que ficaria, assim, incumbida de acompanhar passo a passo os trabalhos da pesquisa de intenção de voto contratada e certificar a sua regularidade técnica.
Por certo, essa exigência justificaria o maior custo e cumpriria importantíssimos objetivos, como, por exemplo, evitar erros estatísticos provocados por indevidas ingerências, tornar mais transparente cada uma das pesquisas e, possivelmente, coibir a divulgação de pesquisas não qualificadas pela eficiência e sem fundamento na responsabilidade social e política.
* Airton Florentino de Barros é advogado, professor de Direito Empresarial, fundador e ex-presidente do Ministério Público Democrático.
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