*Daniel José
Você, muito provavelmente, já percebeu que o pêndulo de atuação política sempre volta para o modelo tradicional, mas por que isso acontece? Que força estrutural é essa que mantém o looping gerador de desesperança nacional? Para responder a essas perguntas, precisamos ir além do debate ideológico e compreender a dinâmica do processo eleitoral, ou seja, perceber que, em síntese, as eleições nada mais são do que uma corrida pela venda de um produto-candidato-proposta a um cliente-pagador de impostos-cidadão.
Parece frio comparar o processo de eleger uma liderança pública à inteligência de venda de produtos, mas, mais fria, é a sagacidade de manter a manipulação histórica de não explicar muito bem como as coisas funcionam a quem realmente tem algum poder de intervir – democracia, do latim, poder do povo. Considerando que o pagador de impostos precisa entender o jogo que joga quando aperta o botão da urna, nada mais justo do que apresentar a ele o funcionamento dos bastidores do supermercado eleitoral, cujo cliente final é a vida do cidadão.
Qualquer processo de vendas se dá nas mesmas etapas: Primeiro é preciso que haja um produto de qualidade. No caso dos candidatos, o que qualifica como bom ou não é o histórico do desenvolvimento dessa liderança – sua origem, considerando as experiências de vida como formadoras de valores, e seu percurso educacional, profissional, de serviço. Segundo, é preciso pensar na apresentação deste produto, focar em como sua qualificação pode ir ao encontro das necessidades do cliente e desenvolver, então, um rótulo e uma apresentação. O terceiro ponto é a logística de distribuição do produto, também conhecida como campanha.
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Pensar estrategicamente em onde e como dispor esse produto-proposta nas prateleiras, para que, no caso das eleições, chegue a cerca de 214 milhões de clientes. E é exatamente aí que entra a reflexão que cá estamos propondo: no supermercado eleitoral, existe um antigo e sempre atualizado monopólio das prateleiras – leia-se prateleiras como divulgações online e offline, campanhas de rua, redes sociais, mala direta, google, artigos, matérias e outras centenas de formas de comunicação atualmente disponíveis.
Se ética e marketing não caminham, necessariamente, de mãos dadas em terras tupiniquins, cujos desvios de recursos se tornaram praticamente uma cultura, como saber de fato se existem produtos bons escondidos entre os ruins? As eleições de 2018 foram um marco em relação a força de um marketing enganoso, resultando em total monopólio da política tradicional no preenchimento das prateleiras.
Qualquer brasileiro com algumas eleições nas costas e alguma noção histórica sabe que este acesso privilegiado, ou controle dos espaços, não é nada novo. Enquanto as prateleiras estão cheias dos velhos e conhecidos produtos, aqueles que propõem renovação seguem soterrados na imensidão da logística perversa de “manter as coisas como estão” dentro do supermercado eleitoral. A impressão que dá é que não existe nada de novo em nível de política, enquanto no fundo das gôndolas existe uma luta por visibilidade e espaços que acessem, de fato, o cidadão.
Discutir o porquê da política brasileira caminhar por espaços tão humanamente questionáveis é uma análise mais profunda, histórica e fincada nas raízes da exploração, onde foram alocadas nossas estruturas de governo e, consequentemente, nossas lideranças. A intenção aqui, de maneira bem prática, é buscar demonstrar como se dá tal dinâmica eleitoral e como podemos, enquanto cidadãos, participar ativamente de um jogo, cujo tabuleiro é a escola, o posto de saúde, o transporte público, os preços do mercado, as políticas de trabalho e de segurança pública. Votando ou não, somos todos impactados.
É apenas uma questão de lógica: se a proposta é renovar, é preciso pesquisar outros caminhos, outras formas, outras fontes. Aceitar o produto que mais aparece no horário nobre dos espaços comprados da mídia, como melhores ou únicos ou “já que é tudo igual mesmo” ou “votar em x porque y vai perder mesmo”, é seguir exatamente o que desenha a manipulação de quem detém esses mesmos espaços. Tratando-se de política, votar sem pesquisar ou refletir é como engolir com os olhos vendados uma meleca antiga aromatizada com nem tão novas promessas. Renovar é sobre sacar que no jogo eleitoral a democracia enfraquece, justamente, quando perdemos a esperança de que fazemos alguma diferença.
*Daniel José é economista pelo Insper, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Yale e deputado estadual pelo PODEMOS/SP
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