Vinicius Wu*
Todas as principais vertentes da teoria democrática contemporânea estão de acordo com a ideia de que o bom jornalismo e a liberdade de imprensa representam pilares da democracia no mundo moderno, sendo um pressuposto à afirmação plena da cidadania, da liberdade e da autonomia dos indivíduos.
A atividade regular de uma imprensa livre guarda relação direta com a capacidade de os regimes democráticos proverem os cidadãos de informações suficientes para a tomada de decisões de forma consciente e racional. A questão, necessariamente, remete ao papel da mídia e de seu potencial em contribuir para que o acesso à informação seja garantido aos participantes da vida política de uma determinada sociedade. O estoque de informações disponíveis ao público para subsidiar a tomada de decisões é um item elementar para se avaliar a qualidade da democracia.
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Durante a pandemia de Covid-19, veículos de mídia e uma ampla rede de jornalistas e profissionais da comunicação brasileiros desempenharam um papel decisivo no combate ao negacionismo e à desinformação, contribuindo para o trabalho desenvolvido pelas autoridades sanitárias e assegurando um patamar mínimo de racionalidade nos debates sobre as estratégias públicas adotadas em todo o país. A experiência do consórcio de mídia, que assegurou diariamente aos brasileiros o acesso à informação sobre os números da pandemia, é um caso bem-sucedido do jornalismo autônomo dedicado à preservação da esfera pública.
As eleições 2022 representam um novo desafio para os profissionais da comunicação comprometidos com a qualidade da democracia brasileira. E, neste momento, não há contribuição à democracia mais importante do que trabalhar a favor da elevação do nível do debate público nacional. Isto, por óbvio, não tem rigorosamente nada a ver com o favorecimento a determinados candidatos na cobertura de imprensa ou explicitação de preferências partidárias e/ou ideológicas por parte dos profissionais da comunicação. Trata-se, simplesmente, de assegurar a primazia do interesse público nos debates eleitorais.
Mas como seria possível identificar o tal “interesse público”? Como mapear as questões que deveriam pautar o discurso dos principais candidatos? Ora, nas democracias de massa contemporâneas as pesquisas de opinião servem como um importante balizador do debate público. E parece ser bastante razoável observá-las e valorizá-las enquanto insumo fundamental para a definição da agenda das eleições.
De acordo com pesquisa Quaest publicada no último dia 11 de maio, a crise econômica é identificada como o principal problema do país por 19% dos eleitores brasileiros. A inflação aparece logo depois com 18%, seguido pelo desemprego com 13%. A saúde é o grande problema do Brasil para 13% dos entrevistados e a corrupção é citada por 8%. A fome e a miséria são vistas como principal problema por 8% da população e a desigualdade alcança 2% na mesma lista. Portanto, para 50% dos brasileiros/as, o principal problema do país está diretamente relacionado aos rumos da economia.
Outras pesquisas poderiam nos servir de referência e os resultados seriam bastante parecidos. Mas por que então muitos profissionais da comunicação vêm insistindo em reproduzir perguntas sobre aborto, uso de drogas etc. em sabatinas e entrevistas com os candidatos a cargos majoritários? É claro que uma parcela do eleitorado se preocupa com estas questões e sabemos de sua relevância. Mas por que deixar a agenda eleitoral, mais uma vez, aprisionada a estes temas (a exemplo do que ocorreu em 2018) quando a população claramente indica estar mais preocupada com outros?
A qualificação dos debates eleitorais, após tudo o que se viu nas eleições de 2018 e durante a pandemia do coronavírus em termos de distorção do debate público e uso deliberado de estratégias de desinformação, não parece ser um aspecto sem relevância. E os profissionais da comunicação podem exercer um papel decisivo na defesa da democracia e do livre direito à escolha nestas eleições. O bom jornalismo pode fazer a diferença.
Mas ao reproduzirem polêmicas intermináveis em torno de questões morais que sequer serão decididas nas eleições majoritárias (quase todos os temas são de responsabilidade do Congresso Nacional ou deveriam ser tratados em plebiscito específico) estes profissionais também podem contribuir para o empobrecimento do debate.
É sabido que em toda disputa eleitoral a primeira batalha se dá sempre em torno da agenda das eleições. Não parece ser necessário discorrer aqui a respeito do desejo explícito de determinados setores da política nacional em restringir o debate a questões morais, evitando responder sobre as preocupações reais dos brasileiros. Portanto, recomenda-se a quem exerce o jornalismo o máximo de atenção para que não se tornem colaboradores involuntários de estratégias eleitorais muito bem definidas.
*Vinicius Wu é professor, mestre e doutorando em Comunicação Social pela PUC-Rio.
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