Entre as formas de organização dos parlamentares no Congresso Nacional, a mais conhecida são as bancadas partidárias. Por meio delas, deputados e senadores filiados a um mesmo partido organizam-se, separadamente, na Câmara e no Senado, sob a coordenação de um líder.
Outra composição bastante usual são os blocos parlamentares, que surgem da união de duas ou mais bancadas partidárias sob liderança comum[1]. A criação de bancadas e blocos está prevista nos regimentos internos das duas Casas e ambos figuram como elementos fundamentais para a dinâmica do processo legislativo. Mas não são os únicos arranjos políticos possíveis em nosso Parlamento.
Existem, ainda, duas formas de associação suprapartidárias formais, criadas por meio de requerimentos e resoluções, que reúnem congressistas de vários partidos: as frentes parlamentares, que se destinam a “promover o aprimoramento da legislação federal sobre determinado setor da sociedade”[2] e devem contar com, no mínimo, um terço dos membros do Poder Legislativo Federal, o que equivale a (198 membros); e os grupos parlamentares, que atuam como canais de diplomacia parlamentar[3], compõem-se por qualquer número de parlamentares e têm como contraparte parlamentos estrangeiros e blocos políticos formados pela união de outros países.
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Por conta da força política que muitas frentes parlamentares reúnem, algumas são tão ou até mais conhecidas que os próprios partidos, como é o caso da Frente Parlamentar da Agropecuária, a Frente Parlamentar da Segurança Pública e a Frente Parlamentar Evangélica.
Os grupos parlamentares, por sua vez, são menos conhecidos, pois têm atuação quase sempre protocolar, de promover aproximação institucional entre as casas do Congresso Nacional e Parlamentos estrangeiros, o que encerra muito pouco apelo político. Por isso, não é comum ouvir falar do trabalho dos 105 grupos parlamentares existentes na Câmara[4] e dos 32 do Senado[5]. Esse quadro, entretanto, começa aos poucos a mudar.
PublicidadeEm abril deste ano, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) participou do lançamento do Grupo Parlamentar Misto Brasil-Países Árabes. Devido às medidas de distanciamento social impostas pela pandemia do novo coronavírus, o evento foi realizado por meio virtual, conduta que manifesta incipiente vontade política em incluir grupos parlamentares em discussões sobre temas da agenda bilateral [6].
Embora fique claro que esse Grupo tem por finalidade estreitar laços entre o Congresso Nacional brasileiro e os parlamentos dos países árabes, essa novidade ressalta o potencial político ainda muito pouco explorado dos grupos parlamentares.
De acordo com o artigo 49 da Constituição Federal, é da competência exclusiva do Congresso Nacional aprovar ou rejeitar – “resolver definitivamente”, como estabelece a lei maior – tratados internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Se a palavra final é do Congresso, nada mais racional e eficaz para a obtenção dos resultados esperados que a união de esforços entre as partes interessadas com o Congresso Nacional, contexto em que os grupos parlamentares despontam como canais privilegiados, pois nascem da própria intenção de unir forças em torno de objetivos comuns. Ademais, por serem associações parlamentares suprapartidárias, supõe-se que sempre poderá haver posições convergentes com os membros do grupo, o que favorece a construção de agendas de trabalho mais consistentes e consoantes com as prioridades diplomáticas das partes envolvidas.
Um dos grupos parlamentares mais antigos da Câmara dos Deputados, o Brasil/Itália (1979), costuma atuar em estreita cooperação com a Embaixada da Itália em Brasília. Regularmente, o presidente do grupo, deputado Rubens Bueno, que é do Paraná, estado que reúne a segunda maior comunidade italiana no Brasil, reúne-se com diplomatas italianos e outros membros do grupo em eventos de trabalho. São momentos de intensa troca de informações sobre temas de interesse bilateral, em que se esclarecem dúvidas, agrega-se conhecimento e reforçam-se valiosos canais de interlocução. Quaisquer que sejam os temas relevantes para os dois países e as respectivas comunidades, que no Brasil somam cerca de 30 milhões de ítalo-brasileiros, os interessados encontram no grupo “stakeholders” importantes para expor suas propostas.
Outro grupo parlamentar de inquestionável importância estratégica é o Brasil/Estados Unidos. A atual presidente, deputada Rosângela Gomes, participou de delegação parlamentar em missão oficial a Washington no ano passado, ocasião em que se reuniu com os dois copresidentes do grupo homólogo na Casa dos Representantes, o chamado “Brazilian Caucus”[7], em agenda articulada pela assessoria da Câmara dos Deputados, com o fundamental auxílio da Embaixada do Brasil naquele país. Da mesma forma, a deputada mantém diálogo constante com a embaixada dos Estados Unidos em Brasília, provendo o grupo, e a própria Câmara, de informações importantes não somente para a tomada de decisões relativas aos acordos bilaterais em tramitação na casa, mas também para a construção de agendas comuns com nosso segundo maior parceiro comercial[8].
Nesse sentido, percebe-se que ainda há muito espaço para o desenvolvimento do trabalho dos grupos parlamentares, visto que não são muitos os realmente atuantes e há amplas possibilidades de atuação para robustecer os canais de interlocução e cooperação com Parlamentos estrangeiros.
A exemplo dos grupos Brasil/Itália e Brasil/Estados Unidos, é importante que os Presidentes e demais membros mantenham boas relações não somente com as respectivas embaixadas em Brasília, mas que fomentem diálogo permanente com a Assessoria Especial de Relações Federativas e com o Congresso Nacional do Ministério das Relações Exteriores (Afepa/MRE). É a Afepa que faz a ligação entre a Câmara e o Senado e as representações brasileiras no exterior (embaixadas, consulados e missões), órgãos que articulam a grande maioria das agendas dos parlamentares em missões oficiais a outros países. Nesse aspecto específico, ressalte-se que uma postura cooperativa entre os grupos parlamentares e a Afepa tem o condão, inclusive, de propiciar a elaboração de encontros mais significativos e envolver interlocutores estrangeiros ainda mais engajados nos objetivos pretendidos pelos grupos, o que aumenta a eficiência das missões ao exterior.
Além disso, a Afepa pode incluir nos diálogos com os membros dos grupos parlamentares representantes dos departamentos do MRE que acompanham a política interna dos países em questão e seus desdobramentos no âmbito não somente das relações com o Brasil, mas também sob a perspectiva multilateral. Ao unir a força política dos grupos parlamentares com o conhecimento fundamentado dos diplomatas que se dedicam aos temas de interesse dessas agremiações, o debate torna-se mais consistente, ampliando-se as perspectivas de êxito da chamada diplomacia parlamentar.
Assim, percebe-se que a proatividade, e a produtividade dos grupos parlamentares está diretamente relacionada à capacidade dos respectivos Presidentes em trabalhar em parceira com quem lhes possa oferecer informação de qualidade e abrir novas frentes de interlocução e apoio institucional. Nesse sentido, as representações estrangeiras no Brasil e o MRE são dois dos mais fortes aliados com os quais um grupo parlamentar pode contar.
Constata-se, portanto, que a atuação dos grupos parlamentares pode ir além da função protocolar que muitos interpretam a partir dos estatutos de criação. Para tal, o esforço em incentivar e desenvolver as relações entre o Congresso Nacional brasileiro e parlamentos estrangeiros deve envolver pessoas e instituições que agreguem valor a esse diálogo e o torne instrumento para obtenção de resultados concretos. Esse valor tanto pode ser simbólico, como estabelecido no estatuto do Grupo Parlamentar Brasil-Itália, que prevê a participação dos Presidentes da Câmara e do Senado como membros honorários, conferindo-lhe maior peso político; como concreto, como a união dos esforços dos Presidente do Grupo com outras partes interessadas para a construção de agendas de trabalho com objetivos definidos.
Ao revelarem-se ferramentas importantes na cooperação diplomática, os Grupos Parlamentares sobressaem como canais de diálogo que devem ser fortalecidos pelo Congresso Nacional. Nesse sentido, espera-se que as experiências bem-sucedidas e o dinamismo dos grupos mais atuantes inspirem o Parlamento brasileiro a melhor empregar o potencial político desses instrumentos de diplomacia parlamentar, atividade ainda pouco disseminada em nosso meio mas que, quando exercida de forma estratégica, pode proporcionar excelentes resultados.
*Patrícia Nogueira é analista legislativo e assessora de diplomacia parlamentar da Câmara dos Deputados.
[1] RICD, Art 12, caput.
[2] https://www2.camara.leg.br/legin/int/atomes/2005/atodamesa-69-10-novembro-2005-539350-publicacaooriginal-37793-cd-mesa.html
[3] https://www.camara.leg.br/internet/deputado/grupos-parlamentares.asp
[4] https://www.camara.leg.br/internet/deputado/grupos-parlamentares.asp
[5] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/conselhos
[6] https://www.cnabrasil.org.br/noticias/cna-participa-de-lancamento-do-grupo-parlamentar-brasil-paises-arabes
[7] https://twitter.com/RepLaHood/status/1195387224516440066?s=20
[8] https://republicanos10.org.br/noticias/deputada-ressalta-parceria-com-os-eua-em-evento-sobre-politica-externa/
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