Rodrigo Rossoni*
Este texto não é para quem pensa como eu. Se você não é um apoiador do presidente Jair Bolsonaro, ou se você não gosta dele e quer que o governo dele acabe logo porque o considera ruim ou péssimo, definitivamente este texto não vai lhe trazer novidades.
Eu não convivo bem com as dúvidas martelando a minha cabeça e se tem algo que eu gosto de fazer é esgotar o debate. Por isso quis escrever para quem acha que o presidente é o oposto daquilo que eu acho que ele é, ou seja: para aqueles que acham que ele é ótimo ou bom.
Vocês são brasileiros como eu, têm suas famílias, seus empregos, fazem suas compras do mês, têm seus medos, suas angústias e querem um país melhor, sem violência, criminalidade e sem ninguém impedindo seu direito sagrado de viver em paz. Ao menos nisso, será que somos parecidos? Se a resposta for sim, vamos continuar conversando?
Vocês se lembram quando o Brasil era livre da corrupção? Provavelmente não, porque isso nunca aconteceu. Esse sistema pouco representativo nunca esteve em crise, porque ele nunca foi um sistema representativo para a maioria de nós. Esse tal sistema sempre se perpetuou na lógica elitizada de poucos que se acham donos do país desde a nossa invasão, por Portugal, em 1500.
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Mas recentemente, tivemos alguns avanços. Há cerca de 40 anos, após a redemocratização do país, alguns marcos foram estabelecidos: a promulgação de uma Constituição Liberal, moderna e humanista em 1988, a Lei de Responsabilidade Fiscal que modernizou a gestão pública a partir de 1998, uma autonomização crescente e o fortalecimento dos órgãos de controle como a Controladoria Geral da União, a Polícia Federal, a Receita Federal, os Ministérios Públicos, os Tribunais de Contas, a lei anticorrupção, a regulamentação da Lei da Transparência e de Acesso à Informação na última década e todos os seus desdobramentos que revelaram crimes de corrupção e, pela primeira vez na história, colocou políticos na cadeia. O que aconteceu foi resultado da mobilização da sociedade civil, fruto da liberdade de imprensa, dos direitos humanos e do fortalecimento da DEMOCRACIA e de suas instituições!
Longe do ideal, caminhamos no sentido de devolver ao povo algum tipo de poder que coloca os gestores públicos contra a parede. Mas assim como a natureza não dá saltos, a democracia caminha em zigue-zague, algumas vezes um passo atrás, mas no geral avançamos. Evoluímos porque aperfeiçoamos nossas relações políticas, não porque tentamos destruí-las.
E é nesse ponto que eu gostaria de saber o que você, que apoia o presidente Jair Bolsonaro, pensa a respeito disso. Vocês seriam capazes de gastar mais um tempinho precioso para continuarmos refletindo sobre isso? Na minha opinião, Bolsonaro produz retrocessos nesse processo. Se vocês pensam diferente, vamos colocar as cartas na mesa?
Jair Bolsonaro surgiu na política nesse mesmo período de avanços democráticos, há cerca de 30 anos quando se elegeu deputado federal, cargo que ocupou durante 28 anos (sete mandatos) nos quais representou o mais puro reacionarismo e o corporativismo classista, especialmente com o Exército, instituição na qual se formou e pela qual trabalhou em suas centenas de projetos apresentados e não aprovados. E, é claro, aproveitou sua popularidade escatológica para colocar seus três filhos e sua ex-esposa na política.
No Congresso, ele era a antítese da democracia, com seus discursos a favor da ditadura, da tortura e do “politicamente correto” (termo que ele usava para se referir às minorias políticas), sempre em desalinhamento total aos avanços da democracia que o ajudou a se eleger. Bufão, falastrão, descontrolado nas palavras e com um forte apelo populista, ele era uma piada para muita gente e poucos o levavam a sério quando surgiu em programas de entretenimento destilando preconceito, homofobia, racismo, xenofobia, machismo e misoginia.
Então aconteceu algo impensável: ele passou a ser visto por vocês como uma opção viável para derrotar o tal establishment, ou seja, o estabelecido — “aquilo tudo que está aí” — seja lá o que fosse isso na cabeça dele. Por que vocês pensaram que daria certo alguém com esse perfil?
Ao ser eleito, por um fenômeno que passará décadas sem explicação, Bolsonaro pôs-se a desestruturar as instituições democráticas, especialmente as que atuam no controle estatal. Interferiu na autonomia da Polícia Federal, Coaf, Receita Federal, Procuradoria-Geral da República, ABIN e o que mais representasse qualquer tipo de vigilância institucional contra seu governo e, em especial, a sua família. E por incrível que pareça, passou a ser adorado exatamente por isso. E o pior: por aqueles mesmos que torciam o nariz para suas presepadas, mas enxergaram nele a única saída para livrar o país do “esquerdismo”, do “comunismo” e outros tantos “ismos” que nem deveriam ser pauta política de um presidente.
Suas relações escancaradas com a milícia do estado do Rio de Janeiro, as denúncias dos esquemas de peculato (rachadinhas) que aconteciam em gabinetes da família — e no seu próprio — que os associam a criminosos como Fabrício Queiroz e Adriano da Nóbrega foram ignoradas por vocês, por qual motivo? As denúncias e investigações têm sido barradas por seus aliados na PGR, na AGU e até no Ministério da Justiça. Todos viraram advogados de defesa do presidente.
Não é corrupção utilizar a estrutura do Estado para se blindar de investigações? Eu me lembro que o levante contra a corrupção preconizava que todos deveriam ser investigados e quem não deve não teme. Ainda pensam assim?
Acho que também deveríamos fazer um esforço e lembrar que uma empresa ligada à ex-mulher e sócia de Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaro, já recebeu R$ 41,6 milhões durante a atual gestão. Queiroz foi preso na casa desse advogado, isso é apenas coincidência?
Vocês apontavam desvios quando apenas ouviam os nomes dos filhos dos presidentes anteriores, mas consideram absolutamente aceitável a confusão entre o público e o privado que existe na relação de Bolsonaro com os filhos. Logo nos primeiros meses de governo, poucos de seus apoiadores estranharam sua insistência em nomear o filho para um cargo de embaixador nos Estados Unidos — afirmando que não via nepotismo nessa atitude — barrado apenas pelo STF. Isso não parece contraditório?
A presença constante de seu filho Carlos, vereador no município do Rio de Janeiro, nos corredores e nas redes sociais presidenciais, é outra coisa inédita. Ele participa de reuniões com lobistas e fala em nome do presidente em suas contas na internet. E destila seu ódio feroz e preconceito contra todos que divergem de seu pai.
A comunicação deste governo então é um escândalo! A máquina de propaganda bolsonarista possui tentáculos nas emissoras aliadas. Essas emissoras explodiram seus faturamentos com verbas publicitárias, as mesmas que Bolsonaro prometeu reduzir ao discursar contra o que ele chamava de “mamata”.
Um exemplo ululante é o então chefe da Secom, Fabio Wajngarten, ter recebido dinheiro de emissoras e agências contratadas pelo governo Bolsonaro, em especial uma delas que é controlada por uma igreja envolvida em suspeitas de lavagem de dinheiro. E olha que a lei veda esse tipo de coisa. A lei é para todos ou o presidente e seus ministros estão acima dela?
O dinheiro público do orçamento da Secom, cujo envolvimento de Carlos Bolsonaro é investigado pela PF, também patrocinou veiculação de notícias falsas em canais de aliados e até em sites de jogo do bicho. Mas esse ponto é polêmico mesmo, afinal, muitos de vocês acham que fake news não deve ser “censurada”. Mentira e liberdade de expressão são conceitos que todos podem distorcer, afinal.
O mais jovem de seus filhos homens, Jair Renan, é um fenômeno do empreendedorismo. O tráfico de influências o coloca facilmente em reuniões com ministros para acessar os meandros do poder e conquistar, assim, grandes oportunidades de negócios para seus empreendimentos infanto juvenis captando recursos, inclusive públicos, já que o maior cliente da empresa do rapaz foi apontado como o próprio Governo Federal. Isso é feito à luz do dia, com agenda oficial e tudo.
Quantos brasileiros sem o sobrenome da família presidencial teriam essa chance? Vocês se incomodam com Jair priorizando seus filhos enquanto empresários com anos de estrada quebram por falta de oportunidades legítimas?
E isso sem contar nos inúmeros cargos públicos distribuídos a amigos de seus filhos, ou uma mãozinha amiga no Tribunal de Contas da União para um auditor fabricar um parecer falso sobre governos estaduais. O que houve com a capacidade de vocês de farejarem um clientelismo familiar quando Bolsonaro assumiu o governo?
Ao indicar Augusto Aras, um de seus aliados, para a Procuradoria-Geral da República, Bolsonaro interferiu na autonomia da instituição. Foi o único presidente a escolher o chefe do MPF fora da lista tríplice nos últimos 24 anos! O PGR já arquivou dezenas de denúncias contra o presidente e já demonstrou que vai se esforçar para arquivar a denúncia no caso dos R$ 89 mil depositados por Fabrício Queiroz, o miliciano amigo da família, na conta da primeira dama Michelle. Isso é suspeito para vocês?
E nesses casos de blindagem ninguém se destaca mais do que seu filho, Flávio Bolsonaro, que está enrolado com denúncias de lavagem de dinheiro na compra de imóveis através de uma loja de chocolates no Rio. A justiça fará a parte dela, esperamos nós, certo?
Aliás, se há algo que precisa ser dito em relação ao filho 01, é a atitude inédita para um presidente, quando Bolsonaro interveio na Polícia Federal e substituiu seu superintendente no Rio. O delegado era acusado de deixar as investigações avançarem “sem provas” contra políticos estaduais, entre eles Flávio Bolsonaro. Esse caso ficou famoso porque levou ao pedido de demissão do “super” ministro Sérgio Moro, que acusou o presidente de interferência na PF. Quem deve, teme?
Também com o argumento familiar, Bolsonaro interferiu na Receita Federal e mandou substituir seu subsecretário-geral, o superintendente do Rio e alguns delegados que investigavam seus parentes. Apenas no Rio de Janeiro, Bolsonaro tem dezenove parentes investigados pelo Ministério Público. Você acha que isso é perseguição?
Bolsonaro se associou ao Centrão por puro fisiologismo, que é o nome técnico dado ao “toma lá, dá cá” que ele também prometeu acabar. Vocês conhecem alguns nomes desse espectro político? Arthur Lira (investigado pela lava-jato), Michel Temer (preso na operação Prypiat, desdobrada da Lava-jato), Carlos Marun (aliado de Temer), Chico Rodrigues (do dinheiro na cueca), Ricardo Barros (que defende a liberação do nepotismo no setor público), Ciro Nogueira (réu no STF por corrupção e organização criminosa), Valdemar da Costa Neto (condenado do Mensalão), Fernando Collor de Melo (ex-presidente afastado por denúncias de corrupção), Roberto Jefferson (mensaleiro confesso).
A lista de novos amigos com velhas práticas é extensa. Essas são relações republicanas?
Um dos casos mais escandalosos envolvendo o alto escalão deste governo vem de uma área sensível ao planeta: o meio ambiente. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está no epicentro de uma investigação que apura enriquecimento ilícito e favorecimento a madeireiros, garimpeiros e mineradores ilegais. Os esquemas são milionários e a narrativa que tentam emplacar é de progresso consciente, com extermínio dos povos originários e desmatamentos ilegais.
A entrevista ao programa Roda Viva do delegado destituído da superintendência da Amazônia, Alexandre Saraiva (que perdeu o cargo por seguir demais o dinheiro) deixa claro que algo ali deveria ser, mas não está sendo investigado. O último episódio do programa Greg News, do canal HBO, detalha cada ligação escusa do ministro com o que há de pior na bandidagem ruralista deste país. Sugiro que ouçam essas denúncias e avaliem sua procedência.
Vocês eram contra o desperdício do dinheiro público, mas aparentemente não se incomodam mais com os gastos recordes no cartão corporativo do presidente. Não acham estranho ele avançar ferozmente sobre a aposentadoria dos trabalhadores, como muitos de vocês, sobre os salários dos professores, profissionais de saúde e outros agentes públicos, enquanto aumenta o seu próprio salário, o de oficiais militares das Forças Armadas e distribui emendas parlamentares secretas recordes para seus aliados de primeira hora no Centrão, aquele mesmo que representa todo o sistema político que ele prometeu combater. Muitos deles estão associados ao que há de pior na política e estão drenando recursos públicos enquanto o desemprego sobe e a renda média do brasileiro despenca diante da inflação.
Bolsonaro não investiu na compra de vacinas, mas torrou dinheiro público e fez campanha por um remédio sem eficácia. Já se perguntaram quem saiu ganhando nesse caso? Não foi a população, que seguiu morrendo de uma doença para a qual já existe vacina.
O que ele fala sobre a pandemia para minimizar uma das piores crises da história mundial, sua falta de cuidado nas palavras ao se referir aos mortos, sua omissão ao ignorar ofertas de vacinas e apostar em tratamento comprovadamente ineficazes e na imunidade de rebanho, a troca de ministros da saúde, a insistência em gastar dinheiro com remédios que não servem para combater a doença, sua rede de apoio negacionista… Nada disso parece razoável, mas vocês tem alguma razão para achar que ele está certo?
Não lhes parece inadequado, que num momento onde o país está com as contas públicas sufocadas pela emergência sanitária e pela crise econômica, o presidente faça passeios semanais de moto, ou de helicóptero, barco e avião, utilizando a estrutura do Estado para lhe servir durante sua folga a um custo milionário para cumprir uma agenda pessoal de campanha para a reeleição? Vocês imaginam quanto custa toda essa estrutura? Apenas em SP, no dia 12/06, o passeio de Bolsonaro custou mais de R$ 1,2 milhões aos cofres públicos. Isso é inaceitável, mas vocês querem mesmo acreditar que é demonstração de força e apoio?
Vocês diziam, há até pouco tempo, que não tinham políticos de estimação. O que mudou a ponto de muitos de vocês saírem às ruas para se aglomerarem em torno do presidente para chama-lo de “mito” e “herói”? O que os faz aglutinar com pessoas que desprezam a ciência, a democracia e a vida? A história não está repleta de exemplos de que o autoritarismo foi legitimado por pessoas que se diziam “cidadãos de bem”?
O fanatismo político é consequência do populismo. E esse usa os maiores medos das pessoas para subjuga-las. É por isso que Bolsonaro estica a corda do autoritarismo, ameaçando as pessoas com o uso das Forças Armadas, o medo de um comunismo que nunca existiu por aqui, a farsa das narrativas de fraudes eleitorais, o discurso de extrema direita com suas falsas teorias religiosas e o conservadorismo radical que captura conceitos que são caros à nossa sociedade, como liberdade, direitos civis, democracia e respeito.
Se vocês não acreditam em tudo o que foi listado aqui, que é de domínio e conhecimento público, mas acreditam em tudo que o presidente diz, é possível que já tenham se deixado cegar pelo fanatismo. Mas ainda é possível despertar sem pendular para o outro extremo. Ser contra Bolsonaro não significa ser a favor de um determinado partido ou de políticos de esquerda. Significa apenas ser a favor das liberdades, do progresso, da democracia e da razão.
Cobrar de nossos governantes que exerçam seu papel a nosso favor é o mínimo que se espera dos contribuintes que desembolsam quase 40% de sua renda em impostos diretos. Ser contra um governo inepto e obscurantista é, sobretudo, exercer o papel de cidadão, do controle social. O voto não é um jogo de torcidas contrárias, é um exercício de cidadania. E a urna não é o fim da democracia, mas o começo dela.
*Rodrigo Rossoni é especialista em Finanças Públicas, Secretário Geral da ONG Transparência Capixaba.
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