Luiz Felipe da Rocha Azevedo Panelli*
Para a surpresa de ninguém, terminaremos a atual legislatura sem fazer a propagada reforma política. Nunca conseguimos fazer esta reforma por um motivo simples: ela não é de interesse da conjunção das forças políticas. Não se trata de acusar o partido X ou Y, ou membros do Congresso Nacional individualmente, mas de atestar uma obviedade: uma reforma tão complexa e importante não consegue avançar sem que haja uma confluência de vontade entre forças políticas diversas. Isto, sabidamente, não há.
A única forma de fazermos uma reforma política séria, ou seja, que mude profundamente a forma de representatividade e o exercício da democracia indireta, é por meio de uma pressão popular acachapante, que se manifeste de forma suprapartidária, com pautas claras. Para isso, precisamos definir quais seriam essas pautas, que devem ser marcadas por um consenso capaz de unir forças políticas antagônicas.
Sugiro que voltemos ao básico. Devemos nos ater às propostas que são mais facilmente defensáveis. Duas delas, me parece, são prioritárias e poderiam pôr fim às distorções que observamos no Poder Legislativo. São elas a cláusula de barreira e o fim do freio de representatividade proporcional na Câmara dos Deputados.
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Quanto à cláusula de barreira, sabemos que o exagerado número de partidos políticos torna o Legislativo um lugar em que a composição de agendas políticas é cada vez mais difícil; ademais, um governo (seja ele qual for) tem que se ver sempre às voltas com alianças impossíveis, já que ninguém consegue conciliar interesses de dezenas de partidos. É simplesmente impossível querer que um sistema opere com um número tão exagerado de legendas partidárias. Ou temos a coragem de mudar ou teremos a democracia representativa cada vez mais inviabilizada.
Muito ao contrário do afirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fatídico julgamento de 2006 que entendeu que a cláusula de barreira era inconstitucional – julgamento que deveria entrar no rol dos piores já feitos pelo STF -, organizar a representação partidária para que o sistema político seja funcional não limita os direitos fundamentais e a expressão democrática. Pelo contrário, é um sistema caótico, em que qualquer pequeno grupo pode montar um partido, lançar um candidato-celebridade para puxar votos e conseguir cadeiras na Câmara, barganhando poder, que acaba por limitar, e severamente, a expressão democrática, à medida que distorce a representatividade.
PublicidadeA segunda proposta tem relação com o número de deputados que os Estados têm na Câmara dos Deputados. A Constituição de 1988 manteve regra da ditadura militar que limitava o número máximo de deputados por Estado. Isto não faz o menor sentido em um sistema bicameral, em que o Senado, com sua representação paritária, impede que os Estados de grande população tenham predomínio sobre os de pequena população. No atual arranjo, os Estados de grande população, como São Paulo, têm sua representatividade limitada tanto no Senado quanto na Câmara, o que é extremamente injusto.
Garantir uma representatividade sem (tantas) distorções passa, prioritariamente, pela defesa destas duas propostas, que podem marcar o início de uma reforma política mais profunda.
*Luiz Felipe da Rocha Azevedo Panelli é advogado, mestre e doutor em direito do Estado pela PUC-SP e assessor do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP).
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