Luis Ricardo B. R. da Silva* e Guilherme Checco**
Nos dias 22 e 23 de abril ocorreu a Cúpula do Clima convocada pelo presidente americano Joe Biden. No evento virtual, líderes das maiores potenciais mundiais se comprometeram a diminuir as emissões de carbono até 2030 e zerar as emissões de carbono até 2050. O próprio EUA aproveitou a oportunidade para buscar alcançar uma maior protagonismo na governança climática internacional.
Tal posicionamento americano vai ao encontro das ideias representadas sob a égide do Green New Deal que tem como pano de fundo o debate econômico acerca do papel do Estado na retomada do crescimento econômico, agora com um novo elemento: a sustentabilidade e os desafios das mudanças climáticas.
Na verdade, esse é um debate que está acontecendo em escala global e um conjunto de países, blocos regionais e governos subnacionais vêm se debruçando sobre a questão, buscando aliar à necessidade de reerguer suas economias com a demanda imperiosa que a ciência vem apontando a respeito das mudanças climáticas. União Europeia, Portugal, França, Alemanha, Holanda, Dinamarca Costa Rica, Coreia do Sul e Califórnia são alguns destes exemplos que estão construindo e colocando em prática ações em prol da chamada economia verde.
Leia também
A União Europeia, por exemplo, com o European Green New Deal, tem como meta a redução de emissões de carbono em 40% até 2030, com uma estimativa de investimentos de 1 trilhão de euros para este fim na próxima década. Já a França surge com seu France Relance, com a mobilização de algo em torno de 30 bilhões de euros para a descarbonização até 2050, entre outras frentes e planos. A Alemanha, igualmente, apresentou o Package For The Future, onde prevê um investimento de 50 bilhões de euros na modernização sustentável do país.
O Brasil, por sua vez, trouxe por meio do discurso do presidente Jair Bolsonaro, promessas vazias e sem lastro na realidade, uma vez que não consegue convencer a comunidade internacional com suas ações diametralmente opostas. Um dia após o seu discurso na cúpula, o governo federal cortou a verba para o meio ambiente em 240 milhões de reais, o que representa mais de 40% de redução em comparação ao orçamento do ano de 2020.
PublicidadeO seu discurso, aliás, não traz uma efetiva mudança de tom, considerando que apenas replicou o modus operandi do governo se portar quando são pressionados por autoridades internacionais, e até mesmo nacionais. No entanto, evidencia o alinhamento ideológico com o seu ministro da pasta ambiental, Ricardo Salles, ao condicionar as ações de proteção ao meio ambiente ao recebimento ajuda financeira internacional sem evidenciar os resultados objetivamente alcançados.
Quando se analisa conjuntamente os discursos de Bolsonaro e Salles, a demagogia dá lugar à realidade.
O Brasil era tido como um protagonista internacional na pauta ambiental, com a implementação de políticas públicas que colaboraram diretamente para a diminuição de suas emissões. Uma das experiências mais exitosas e reconhecidas foi o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPPCDAm), criado em 2004, com o objetivo de “reduzir de forma contínua o desmatamento e criar as condições para a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável”. Fruto de um esforço de Estado, envolvendo 13 Ministérios, o PPCDAm logrou alcançar resultados muito significativos, reduzindo a taxa de desmatamento anual de 27 mil km2 em 2004 para 4,5 mil km2 em 2012.
No entanto, essa mesma política pública exitosa foi uma das primeiras a ser descontinuada pelo governo Bolsonaro ainda no início de seu mandato, em 2019. Ainda, não se pode esquecer a famosa expressão utilizada por Ricardo Salles na famigerada reunião ministerial de 22 de abril de 2020, na qual o Ministro do Meio Ambiente indicou a necessidade de aproveitar a atenção da mídia e da sociedade para o desastre social gerado pela covid-19 para conseguir “passar a boiada”, ou seja, afrouxar os regramentos e cuidados com o meio ambiente.
Em se tratando de um país onde a principal fonte de emissão é o próprio desmatamento e no qual os dados do INPE indicam clara tendência de aumento crescente do desmatamento na Amazônia, “passar a boiada” não tem apenas um simbolismo muito forte, mas também um lastro na realidade e uma indicação clara do Brasil de Bolsonaro na forma de tratar os desafios da agenda climática.
A Cúpula do Clima evidenciou, no entanto, que a questão climática é apenas a ponta de um enorme iceberg que tem o potencial de modificar toda a forma com que pensamos a economia mundial nos dias de hoje. A emergência é climática, mas a perenidade é social e humana.
Luis Ricardo B. R. da Silva é mestrando em Políticas Públicas pelo INSPER (SP), especialista em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela PUC-PR, advogado do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.
Guilherme Checco é mestre em Ciência Ambiental (USP) e coordenador de Pesquisas no Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), think tank do campo socioambiental.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Pergunta que não quer calar aos articulistas: Se o Presidente Bolsonaro, (presidente da vez) tomar uma atitude de presidente de fato, criar uma política própria de meio ambiente e ignorar os prefeitos e governadores da Região Amazônica, quanto tempo levaria para ele levar a pecha de “ditador” e o “Supremo” intervir dizendo que é inconstitucional pois ele está desrespeitando o Artigo 23?