Jean Paul Prates*
Na última quinta-feira (29), o Brasil amanheceu encantado. Uma menina de 22 anos e uma história de vida cheia de luta e dificuldades havia enfeitiçado o planeta com seu “Baile na Favela” e conquistado a primeira medalha olímpica para a ginástica artística brasileira.
Rebeca Andrade, negra, criada por uma mãe batalhadora ao lado de mais sete irmãos, encarnou, em seu metro e cinquenta e quatro de altura, a garra, a graça e o entusiasmo que nos orgulhamos em associar ao nosso povo.
Também foi lindo ver meu conterrâneo Ítalo Ferreira ganhar o ouro pioneiro no surfe. Ver a avassaladora Rayssa Leal e Kelvin Hoefler conquistando a prata no skate street. Vibrar com os bronzes de Fernando Shaeffer na natação e de Daniel Cargnin e Mayra Aguiar no judô—ainda mais com Mayra, uma gigante medalhista em três Olimpíadas.
As madrugadas em claro, acompanhando competições realizadas do outro lado do mundo, parece que nos transportam para um outro tempo. Lembram o Brasil com a respiração suspensa e coração na mão, torcendo pelos nossos ginastas no Pan de 2007, no Rio. Lembram a festa e a confraternização com gente de todos os quadrantes da terra na Copa 2014 — uma alegria que nem os 7×1 conseguiram destruir.
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Divulgado em dezembro de 2013, um estudo mundial apontava o povo brasileiro como “o mais otimista do mundo quando pensa no futuro”. A pesquisa, que contou com a participação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foi realizada em 160 países e constatou que éramos o povo mais otimista do planeta e projetávamos o horizonte mais luminoso para daí a cinco anos.
Mal sabíamos nós o que urdiam as forças do obscurantismo para que, cinco anos depois de 2013, chegássemos à tragédia de 2018.
Oito anos depois daquela pesquisa, um novo estudo revela uma trágica pirueta no nosso estado de espírito. Segundo reportagem da rede britânica BBC divulgada na última quarta-feira (28), hoje somos o povo campeão em pessimismo.
Segundo o levantamento da empresa Ipsos, os brasileiros lideram agora o ranking de percepção de viverem em um país em declínio, de acordo com nada menos do que 69% dos entrevistados. “São 12 pontos percentuais acima da (já alta) média mundial de 57% de pessoas que têm a percepção de viver em países em declínio”, nos conta a reportagem da BBC.
O pessimismo cresceu, mas já vinha sendo detectado em pesquisas semelhantes realizadas em 2016 e 2019.
Mas, ainda assim, na última quinta-feira nossos corações voaram com Rebeca Andrade, para que não esqueçamos que a essência do nosso povo ainda é a raça, a garra, a graça e o entusiasmo.
Mesmo que, horas depois daquele espetáculo, o descaso assassino de Bolsonaro e sua chusma tenham reduzido a cinzas quatro toneladas de documentos históricos e cópias de filmes do acervo da Cinemateca Nacional.
Essa é mais uma perda impossível de remediar. Ela se soma aos milhares de hectares de florestas queimadas, às 554 mil vidas perdidas na pandemia, às milhares de mulheres vítimas de feminicídio, aos LGBTQI+ assassinados pela intolerância, aos mortos de frio nas ruas das nossas cidades. São feridas irreversíveis que carregaremos, no processo de reconstrução do Brasil—vão continuar a doer, mas não vão esmorecer nossa raça, nossa garra, nossa graça e nosso entusiasmo.
Para um País mergulhado na pandemia, no desgoverno e no derretimento econômico, as madrugadas com os olhos e o coração ligados em Tóquio têm sido um bálsamo e também um recado: embora tudo demore em ser tão ruim, estamos a poucos passos de dobrar a esquina e deixar esse horror para trás.
Até lá, vivas às nossas e aos nossos atletas, à sua tenacidade e suas histórias de luta contra as adversidades. Cada movimento deles em Tóquio é um chamado para que nenhum de nós desaprenda a capacidade de voar.
*Jean Paul Prates é senador da República pelo estado do Rio Grande do Norte.
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