*Paulo Dalla Nora Macedo
O atributo mais forte que Trump criou para entrar na política foi uma imagem de empresário bem-sucedido: ele seria um tycoon do setor imobiliário, que fazia programas e comerciais de TV apenas por diversão e vaidade. Essa narrativa foi repetida a exaustão por seus apoiadores, inclusive aqui no Brasil. Claro que quem tem uma visão mais crítica das coisas achava essa história desconexa, dado as muitas evidências que apontavam para seus furos.
Os arquivos de 15 anos do imposto de renda obtidos pelo The New York Times contam uma história bem diferente da narrativa: a renda gerada pelo programa de TV e os comerciais, resultantes dessa fama, foi o que o mantiveram Trump financeiramente solvente. Menos importante do que ele quase não ter pago impostos em 15 anos é o fato, incontestável, que a sua verdadeira e principal atividade profissional era a persona da TV.
Essas receitas de imagem, que nada tem a ver com a sua faceta de empresário, geraram 427 milhões de dólares de renda pessoal no período, contra quase zero das atividades de investimentos e receita dos negócios operacionais, quando somados. Sem a renda da persona da TV, Trump teria quebrado como empresário, pois não teria recursos para financiar o enorme custo das suas dívidas e muito menos o seu nababesco estilo de vida (pouquíssimos bilionários, dos bilionários de verdade, tem um avião Boeing 757 como jato executivo).
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Agora, como essas receitas acabaram, o atual presidente americano caminha para insolvência: nos próximos quatro anos Trump terá 400 milhões de dólares de obrigações pessoais vencendo e ativos que geram, na sua maioria, prejuízo agora piorados no cenário covid-19. A sua carteira de investimentos líquidos foi sendo liquidada e está praticamente zerada, sendo as informações obtidas no imposto de renda.
Difícil pensar em um castelo de cartas mais incrível que esse: um presidente que luta pela reeleição para salvar-se de uma insolvência épica, pública e humilhante para quem cultiva uma imagem de sucesso. A voracidade com que demonstra que vai se agarrar ao cargo, certamente está ligada ao cálculo que ninguém vai ter coragem de executar o presidente dos EUA. Se fosse um filme o roteiro seria considerado muito improvável.
O debate da corrida presidencial foi o resumo desse teatro do absurdo. Só quem enxerga a mentira e a dissimulação como qualidades pode admirar um político como Trump. Mesmo com a intensa divisão interna, eu acredito que o Estados Unidos será maior que esse plano mesquinho de usar a presidência da maior democracia do mundo como uma espécie escudo patrimonial, como em uma recuperação judicial arranjada.
*Paulo Dalla Nora Macedo é economista e vice-presidente do Instituto Política Viva.
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