Fernando S. Coelho, Guilherme Rezende e Vinicius Schurgelies *
Em 1º de janeiro de 1995, Mário Covas assumiu o governo do estado de São Paulo, inaugurando uma das sequências políticas mais longas da história democrática no Brasil. Desde então, o PSDB governou o maior estado da federação brasileira por quase 28 anos, tradição que, diante do resultado do primeiro turno do pleito eleitoral deste ano, será interrompida a partir de 2023.
Ao estado de São Paulo pode ser atribuído o status de um “estado-nação”. São mais de 46 milhões de habitantes. Se fosse um país, estaria entre as 30 nações mais populosas do mundo, com contingente populacional similar ao da Espanha e superior ao da Argentina. Com 645 municípios, de todos os portes, o estado ostenta como capital a maior metrópole da América do Sul e possui um Produto Interno Bruto de cerca de R$ 2,3 trilhões (2020), correspondente a quase um terço do PIB brasileiro.
Essas grandes dimensões se refletem no tamanho da máquina estatal. O governo paulista prevê um orçamento da ordem de R$ 317,4 bilhões para 2023 e, nos dias correntes, tem uma força de trabalho composta por aproximadamente 560 mil servidores públicos efetivos e mais de uma dezena de milhares de cargos comissionados de livre nomeação.
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O fato de o PSDB não comandar mais o Palácio dos Bandeirantes no próximo ano impõe ao governo do estado de São Paulo o desafio de realizar uma inédita transição governamental para um grupo político distinto, caracterizado por um processo de alternância de poder. Entretanto, o longo período de continuidade político-administrativa no estado não ensejou a institucionalização de uma legislação em prol da transição de governo até então. Ou seja, o Poder Executivo estadual não possui um ordenamento normativo com regras e procedimentos para a transição de governo.
Segundo dados do Tribunal de Contas Estadual (TCE-SP) relativos ao primeiro trimestre de 2022, o estado possui ao menos 197 obras paralisadas ou atrasadas, que totalizam mais de R$ 12 bilhões. Desafios se avolumam na área da saúde; até o mês de agosto havia mais de 400 mil pessoas na fila por cirurgias eletivas. Esses números ilustram uma pequena amostra das questões que deverão ser endereçadas pelo novo governador e seu secretariado.
PublicidadeLogo, mesmo que as eleições – em segundo turno – estejam marcadas para o próximo domingo, dia 30 de outubro, o desafio da “passagem de bastão” para o novo governador de São Paulo está na ordem do dia. O atual governador, Rodrigo Garcia, já teria orientado sua equipe de trabalho para municiar os futuros titulares das pastas sobre as decisões e cifras importantes que impactam no longo prazo a administração pública estadual.
Grosso modo, os dois postulantes ao governo do estado possuem larga experiência na gestão pública e mesmo em processos de transição. O ex-prefeito da capital paulista Fernando Haddad (PT) gerenciou, inclusive, a transição de governo para João Doria em 2016; e o nome de Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi anunciado como ministro da Infraestrutura, em 2018, durante os trabalhos do gabinete de transição federal do governo Temer para o governo Bolsonaro.
Com os dois candidatos naturalmente focados na reta final do segundo turno, surge uma grande oportunidade para que o governador Rodrigo Garcia institua e organize esse processo de transição estadual, decretando normas e publicando orientações para que o próximo mandatário do Palácio dos Bandeirantes possa: (a) obter de maneira célere e tempestiva as mais fidedignas informações para as tomadas de decisão em termos de adaptação do plano de governo à realidade; (b) construir sem contratempos a agenda dos primeiros 100 dias de governo; (c) levar a cabo, em bom termo, a elaboração do planejamento governamental (PPA) no primeiro semestre de 2023.
Historicamente, guardadas as devidas proporções e diferenças entre os níveis de governo, oportunidade similar foi muito bem aproveitada por um governo do PSDB, o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, FHC instituiu e organizou a transição de governo em âmbito federal; a experiência da alternância de poder do PSDB para o governo Lula (PT) foi exitosa e reconhecida como referência nacional e internacional (nesse caso, na América Latina) e até hoje é mencionada como uma boa prática em textos acadêmicos e lembrada pelos especialistas em gestão pública do país.
Em linhas gerais, o foco de qualquer transição de governo deve ser a continuidade administrativa das políticas de Estado, garantindo bens e serviços ao cidadão, sobretudo àqueles mais vulneráveis. Ademais, tal processo é por si um período para recalibrar promessas e planos de governo frente à realidade administrativa, técnica e orçamentária. Em São Paulo, não deverá ser diferente. O estado mais rico da federação não pode se furtar desse processo. Vale mencionar que, nas eleições municipais de 2020, a Secretaria de Desenvolvimento Regional do estado contribuiu, sobremaneira, com a produção de documentos e a oferta de capacitação para a transição de governo nas prefeituras paulistas.
Desde o término do primeiro turno, a pauta da organização da transição é um dos assuntos mais comentados nas conversas dentro dos órgãos e entidades públicas paulistas. Mesmo sem regras e procedimentos formalmente instituídos, alguns setores e repartições têm tratado da importância da elaboração de relatórios e planilhas, que, mesmo de maneira pontual, possam contribuir com a manutenção da estabilidade administrativa.
Enfim, é a hora e a vez da transição de governo no estado de São Paulo. A máquina pública estadual, pertencente ao estado que é a principal locomotiva do país, necessita, agora, voltar sua atenção e esforços para os dois meses subsequentes ao segundo turno, almejando um período de alternância de poder exemplar, político e administrativamente.
* Fernando S. Coelho é professor de Gestão Pública da USP e doutor em Administração Pública pela FGV/EAESP. Guilherme Rezende, profissional de relações governamentais, é mestre em Administração Pública pela FGV/EAESP. Vinicius Schurgelies é gestor público e doutor em Administração Pública pela FGV/EAESP.
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