A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), em conjunto com mais 16 parceiros, elaborou e publicou a Carta de Paris, documento que orienta a mídia e os profissionais na relação entre jornalismo e inteligência artificial, que tem cada vez mais suscitado debates em todo o planeta. A carta (veja a íntegra mais abaixo), idealizada por uma comissão formada por 32 personalidades de países, estabelece dez “princípios fundamentais” e padrões éticos para profissionais, redações e meios de comunicação. O principal objetivo é preservar a função social do jornalismo diante das perturbações causadas pela inteligência artificial.
De acordo com o documento, é fundamental que os meios de comunicação continuem responsáveis pelo conteúdo que publicam, sejam transparentes e mantenham a tomada de decisão humana como ponto central. “Os meios de comunicação assumem a responsabilidade editorial, inclusive quando utilizam IA na coleta, processamento ou divulgação de informações. Eles são responsáveis por cada conteúdo que publicam”, destaca o texto.
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Os princípios éticos que valem para o jornalismo produzido pelo ser humano também devem nortear a produção e divulgação de conteúdo feito por inteligência artificial, “incluindo veracidade, precisão, justiça, imparcialidade, independência, não-dano, não-discriminação, responsabilidade, respeito à privacidade e ao sigilo das fontes”.
Cabe aos meios de comunicação, segundo a carta, ajudar a sociedade a distinguir entre “conteúdos autênticos e sintéticos” e que estes devem “participar na gestão global da IA e defender a viabilidade do jornalismo nas negociações com empresas tecnológicas”.
“Eles devem priorizar o uso de imagens e gravações autênticas para representar acontecimentos reais. Os meios de comunicação devem evitar enganar o público no uso de sistemas de IA. Em particular, devem se abster de criar e utilizar conteúdos gerados por IA que imitem capturas e gravações do mundo real ou que representem de forma realista pessoas reais”, sustenta trecho da carta.
As entidades também defendem que jornalistas, meios de comunicação e grupos de apoio ao jornalismo tenham protagonismo na governança dos sistemas de IA. “Devem garantir que a governança da IA respeite os valores democráticos e que a diversidade dos povos e das culturas seja refletida no desenvolvimento da IA. Jornalistas e meios de comunicação devem permanecer na vanguarda do conhecimento no campo da IA. Eles estão empenhados em examinar e relatar os impactos da IA com precisão, nuances e pensamento crítico.”
PublicidadeA regulamentação do uso da inteligência artificial é objeto de discussão no Congresso. O PL 2338/23, relatado pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO), está sendo debatido pela Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA), criada no Senado para analisar um anteprojeto elaborado por um grupo de juristas.
Leia a íntegra da Carta de Paris:
“CARTA DE PARIS SOBRE IA E JORNALISMO
Paris, 10 de novembro de 2023
PREÂMBULO
Nós, representantes da comunidade de meios de comunicação e do jornalismo, reconhecemos as implicações transformadoras da inteligência artificial (IA) para a humanidade. Defendemos a cooperação global para que a IA respeite os direitos humanos, a paz e a democracia e sirva às nossas aspirações e valores comuns.
A história da informação está intimamente ligada ao progresso tecnológico. A IA, desde a simples automatização de tarefas até sistemas analíticos e criativos avançados, introduz uma nova categoria de tecnologias, com uma capacidade sem precedentes de interferir no pensamento, no conhecimento e na criatividade humanos. Representa um importante ponto de inflexão para a coleta de informações, a busca pela verdade, a narração e disseminação de ideias. Como tal, transformará profundamente as condições técnicas, econômicas e sociais do jornalismo e do mercado editorial. Dependendo da sua concepção, governança e utilização, os sistemas de IA têm o potencial de revolucionar o espaço global da informação. Representam também um desafio estrutural para o direito à informação.
O direito à informação consiste na liberdade de buscar, receber e acessar informações confiáveis. Está ancorado o arcabouço jurídico internacional, incluindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e a Parceria Internacional sobre Informação e Democracia. Este direito está na base das liberdades fundamentais de opinião e de expressão.
A função social do jornalismo e dos meios de comunicação – ser um terceiro pilar de confiança para a sociedade e os indivíduos – é uma pedra angular da democracia e reforça o direito à informação para todos. Os sistemas de IA podem ajudar enormemente os meios de comunicação a cumprir este papel, mas apenas se forem utilizados de forma transparente, justa e responsável, num ambiente editorial que defenda fortemente a ética do jornalismo.
Ao afirmar estes princípios, defendemos o direito à informação, apoiamos o jornalismo independente e estamos comprometidos com os meios de comunicação confiáveis na era da IA.
1. A ÉTICA JORNALÍSTICA ORIENTA A MÍDIA E OS JORNALISTAS NO USO DA TECNOLOGIA.
Os meios de comunicação e os jornalistas utilizam tecnologias que fortalecem a sua capacidade para cumprir a sua missão principal: garantir a todos o direito à informação confiável e de qualidade. A busca e a concretização deste objetivo devem orientar as suas escolhas com relação às ferramentas tecnológicas.
O uso e o desenvolvimento de sistemas de IA no jornalismo devem respeitar os valores fundadores da ética jornalística, incluindo veracidade, precisão, justiça, imparcialidade, independência, não-dano, não-discriminação, responsabilidade, respeito à privacidade e ao sigilo das fontes.
2. A MÍDIA PRIORIZA O HUMANO.
A tomada de decisão humana deve permanecer central tanto nas estratégias de longo prazo como nas escolhas editoriais diárias.
O uso de sistemas de IA deve ser uma decisão deliberada e tomada de maneira bem informada por seres humanos. As equipes editoriais devem definir claramente os objetivos, o âmbito e as condições de uso de cada sistema de IA.
Devem assegurar o monitoramento multifuncional e contínuo dos impactos dos sistemas de IA instalados, garantir a sua estrita conformidade com o seu escopo de utilização e manter a capacidade de desativá-los a qualquer momento.
3. OS SISTEMAS DE IA USADOS NO JORNALISMO ESTÃO SUJEITOS A AVALIAÇÃO PRÉVIA E INDEPENDENTE
Os sistemas de IA usados pelos meios de comunicação e pelos jornalistas devem ser submetidos a uma avaliação independente, abrangente e minuciosa, envolvendo grupos de defesa do jornalismo. Esta avaliação deve demonstrar que os valores fundamentais da ética jornalística são respeitados.
Esses sistemas devem respeitar as leis de privacidade, propriedade intelectual e proteção de dados. Deve ser estabelecido um regime de responsabilidades claro para qualquer descumprimento desses requisitos. Devem ser privilegiados sistemas que operam de forma previsível e que podem ser explicados de forma simples.
4. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO CONTINUAM RESPONSÁVEIS PELO CONTEÚDO QUE PUBLICAM.
Os meios de comunicação assumem a responsabilidade editorial, inclusive quando utilizam IA na coleta, processamento ou divulgação de informações. Eles são responsáveis por cada conteúdo que publicam.
As responsabilidades relacionadas ao uso de sistemas de IA devem ser antecipadas, definidas e atribuídas a seres humanos para garantir o respeito pela ética jornalística e pelas diretrizes editoriais.
5. A MÍDIA É TRANSPARENTE NO USO DE SISTEMAS DE IA.
Qualquer uso de IA que tenha um impacto significativo na produção ou distribuição de conteúdos jornalísticos deve ser divulgado e comunicado de forma clara a todos os que recebem a informação juntamente com o conteúdo relevante.
Os meios de comunicação devem manter um registo público dos sistemas de IA que utilizam e utilizaram, detalhando
suas finalidades, âmbito e condições de utilização.
6. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO GARANTEM A ORIGEM E A RASTREABILIDADE DO CONTEÚDO.
Os meios de comunicação devem, sempre que possível, usar ferramentas de última geração que garantam a autenticidade e a procedência dos conteúdos publicados, fornecendo detalhes fiáveis sobre a sua origem e quaisquer alterações que possam ter sofrido posteriormente. Qualquer conteúdo que não atenda a esses padrões de autenticidade deverá ser considerado potencialmente
enganoso e sujeito a verificação detalhada.
7. O JORNALISMO FAZ UMA DISTINÇÃO CLARA ENTRE CONTEÚDO AUTÊNTICO E CONTEÚDO SINTÉTICO.
Os jornalistas e os meios de comunicação se esforçam por distinguir de forma clara e fiável entre o conteúdo derivado da coleta física do mundo real (como fotografias e gravações de áudio e vídeo) e o conteúdo criado ou significativamente alterado com o auxílio de sistemas de IA. Eles devem priorizar o uso de imagens e gravações autênticas para representar acontecimentos reais. Os meios de comunicação devem evitar enganar o público no uso de sistemas de IA. Em particular, devem se abster de criar e utilizar conteúdos gerados por IA que imitem capturas e gravações do mundo real ou que representem de forma realista pessoas reais.
8. A PERSONALIZAÇÃO E A RECOMENDAÇÃO DE CONTEÚDOS PELA IA PRESERVAM A DIVERSIDADE E A INTEGRIDADE DAS INFORMAÇÕES.
Nos meios de comunicação, a concepção e o uso de sistemas de IA para personalização e recomendação automática de conteúdos deve ser orientada pela ética jornalística. Esses sistemas devem respeitar a integridade da informação e promover um entendimento comum de fatos e pontos de vista relevantes. Devem destacar perspectivas diversas e diferenciadas sobre uma variedade de assuntos, promovendo a abertura de espírito e o diálogo democrático. O uso de tais sistemas deve ser transparente e os usuários devem, sempre que possível, poder desativá-los para garantir o acesso não filtrado ao conteúdo editorial.
JORNALISTAS, MEIOS DE COMUNICAÇÃO E GRUPOS DE APOIO AO JORNALISMO PARTICIPAM NA GOVERNANÇA
DA IA.
Como guardiões essenciais do direito à informação, os jornalistas, os meios de comunicação e os grupos de apoio ao jornalismo devem desempenhar um papel ativo na governança dos sistemas de IA. Eles devem ser incluídos em qualquer supervisão institucional global ou internacional da governança e regulação da IA.
Devem garantir que a governança da IA respeite os valores democráticos e que a diversidade dos povos e das culturas seja refletida no desenvolvimento da IA.
Jornalistas e meios de comunicação devem permanecer na vanguarda do conhecimento no campo da IA. Eles estão empenhados em examinar e relatar os impactos da IA com precisão, nuances e pensamento crítico. .
10. O JORNALISMO DEFENDE SEUS FUNDAMENTOS ÉTICOS E ECONÔMICOS NAS RELAÇÕES COM EMPRESAS
FORNECEDORAS DE IA.
O acesso aos conteúdos jornalísticos pelos sistemas de IA deve ser regido por acordos formais que garantam a sustentabilidade do jornalismo e preservem os interesses comuns a longo prazo dos meios de comunicação e dos jornalistas. Os proprietários de sistemas de IA devem creditar as fontes, respeitar os direitos de propriedade intelectual e fornecer uma compensação justa aos titulares dos direitos. Essa compensação deve ser repassada aos jornalistas através de uma remuneração justa. Os proprietários de sistemas de IA também são obrigados a manter um registo transparente e detalhado do conteúdo jornalístico usado para treinar e alimentar os seus sistemas. Os titulares de direitos devem condicionar a reutilização do seu conteúdo ao respeito pela integridade da informação e pelos princípios fundamentais da ética jornalística. Eles fazem um apelo coletivo para que os sistemas de IA sejam concebidos e usados de forma a garantir informações de alta qualidade, pluralistas e confiáveis.”
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