Libertação de Lula reconfigura cenário já agravado pela pandemia e crise econômica. Aumenta o risco político no Brasil.
No último fim de semana, uma pesquisa do Ipec apurou que 50% dos entrevistados poderiam votar em Lula, caso fosse candidato. Outros 38%, que votariam em Bolsonaro. Bem, na segunda-feira uma decisão do ministro Fachin, do STF, anulou os processos contra Lula por vício de competência. Ou seja, não o julgou inocente nem culpado, apenas que ele não deveria ter sido julgado no foro em que o processo correu. Com isso, Lula foi libertado, recuperou seus direitos políticos e se tornou elegível.
Isso muda completamente todo o tabuleiro político e impacta diretamente em algumas decisões. Desde as agendas de políticas públicas de momento, como o auxílio emergencial, passando por reformas como a tributária, até alcançar a corrida presidencial de 2022. Vamos aos pontos.
O mercado ficou apreensivo. O Ibovespa caiu e manteve oscilações até o final da quarta-feira, quando Lula fez sua coletiva de imprensa. Claro sinal de como o mercado tem apreensão aos riscos da política.
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No discurso, Lula foi Lula. Criou pontes, afagou quem estava isolado (imprensa, indústria, massa), falou como presidente, se colocou como alternativa, falou aos pobres, o que esvazia em alguma medida parte do eleitorado de Jair Bolsonaro, que viu com bons olhos em 2020 a distribuição do auxílio emergencial.
E se esse é um dos trunfos do presidente para manter sua popularidade estável até as eleições, com Lula no páreo, o governo pode encontrar novas resistências políticas dentro do Congresso Nacional para apoiar políticas de distribuição de renda aos mais humildes.
PublicidadeMas Bolsonaro ainda tem como fortalezas ter a caneta na mão, controlar as ações do governo e com isso direcionar políticas que possam reter aliados e sua popularidade, principalmente as que sejam relacionadas ao combate à pandemia e à recuperação econômica e geração de empregos. Aliás, será difícil achar o equilíbrio possível entre ambas. E ainda seus aliados manipulam de forma hábil as redes sociais – lembremos que foi sua principal plataforma de campanha.
Lula tem uma narrativa poderosa contra a de Bolsonaro suas conquistas como presidente: o legado baseado na valorização do SUS e a vacinação de milhares de pessoas em seu governo, de ter governado durante uma grande prosperidade econômica, de ter posicionado o Brasil no cenário internacional e conquistas nas áreas ambiental e social. A tendência é que esse discurso seja reforçado até as eleições de 2022 e que Lula acumule apoio considerável da grande mídia, o que pode ser muito poderoso contra a comunicação bolsonarista.
O fato é que Bolsonaro foi eleito num período em que a esquerda, o PT e Lula enfrentavam uma crise reputacional enorme por conta dos escândalos do Mensalão e do Petrolão. Com o clamor popular incendiado contra a corrupção, Bolsonaro se posicionou como o contraponto que a sociedade clamava, uma proposta de ordem ao caos que a Lava Jato deu visibilidade.
No cenário de hoje, Bolsonaro vive sua própria crise reputacional. Sua rejeição tem subido e bateu seu recorde de 49% em fevereiro. As razões são atribuídas à percepção que a população tem da gestão da pandemia e da crise econômica. E no discurso à nação, após sua libertação, Lula se posiciona como alternativa diametralmente oposta a Bolsonaro, reforçando que vem para polarizar de modo explícito a narrativa bolsonarista.
De fato, vara que bate em Chico, bate em Francisco. No caso, em Luiz e Jair. As eleições de 2018 foram definidas pelos eleitores que não tinham aderido nem à esquerda nem à direita. O jogo foi decidido com base no voto útil, onde os eleitores de centro votaram no candidato que rejeitavam menos.
Mantidas as condições de hoje, teremos um cenário extremamente disputado e de muita polarização. O acirramento pela captura da narrativa será ferrenho. O risco político será alto, com reações passionais e exageradas de ambos lados, como vimos recentemente.
Podem-se esperar desidratação de figuras de centro, oscilações bruscas na bolsa de valores, como houve após a libertação de Lula, e extrema incerteza do mercado quanto ao que será do Brasil após 2022.
*Colaborou Caliel Calves, coordenador de Projetos do Pensar RelGov, Internacionalista pelo IRI-USP, pesquisador no CAENI/USP, Acelerador na Legisla Brasil e Embaixador do Politize!.
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