No já distante ano de 2003, aos 12 dias de março, Chris Huhne acionou o motor de seu potente BMW e entrou na rodovia M11, em um trecho próximo a Essex, no Reino Unido.
Já era tarde da noite, a estrada estava vazia e assim este intrépido motorista decidiu trafegar em velocidade superior à permitida pela legislação. Para ser bastante preciso, ele dirigiu a 32 km/h acima do limite.
Eis que este impetuoso condutor foi surpreendido por uma câmera de vigilância instalada em um trecho da rodovia. Seguiu-se, evidentemente, a emissão de uma autuação de trânsito por excesso de velocidade.
Chris Huhne, político de razoável projeção, não desejando ter sua imagem pública manchada por conta de infrações de trânsito, buscou alguém para assumir a culpa – e foi assim que entrou neste enredo sua esposa, Vicky Pryce, “eleita” para declarar-se culpada por aquela infração.
O problema é que as autoridades descobriram a manobra, quando então começou um processo criminal contra ambos por “obstrução da justiça”. Enquanto isso, o tempo passava e a carreira política de Chris Huhne acelerava: ei-lo eleito membro do Parlamento e, na sequência, nomeado ministro de Estado.
Chegamos, então, ao dia 12 de março de 2013 – precisos dez anos depois daquela noite fatídica. O sistema legal britânico, finalmente, deu seu veredito: Chris Huhne e sua já ex-esposa Vicky Price são culpados, e como tal foram condenados a uma pena de oito meses de prisão – que já começaram a cumprir.
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Antes de chegar a este ponto, o político já renunciara ao cargo de Ministro de Estado, e até mesmo ao mandato de membro do Parlamento – afinal, a opinião pública britânica simplesmente não aceitou que pessoa tão relevante mentisse tão descaradamente sobre questão tão simples.
Ao sentenciar o casal, assim disse o juiz: “Ofensas desta natureza atingem o coração do sistema de justiça criminal. Afinal, o propósito do sistema de pontuação é que aqueles que eventualmente dirijam de forma imprudente sejam punidos com a suspensão do direito de dirigir, o que serve para desencorajar o cometimento de outras infrações e proteger o público. O sistema depende, relativamente aos motoristas surpreendidos pelas câmeras, do reconhecimento honesto da culpa. O preenchimento desonesto de formulários [atribuindo a outra pessoa a culpa pela infração] é algo fácil de fazer, e a troca de responsabilidades frequentemente acaba passando desapercebida”.
E prosseguiu o magistrado: “Esta prática corresponde a uma ofensa criminal séria, pois tende a perverter o curso da justiça, e, assim, uma condenação imediata a dada pena de prisão deve ser aplicada. Eis aí um tipo de ofensa que requer deste tribunal a observação de que a prevenção geral é um dos objetivos da sentença” – vale dizer, fazendo uso das palavras de Lord Halifax, “não se enforca um homem por ele ter roubado cavalos, mas para que cavalos não sejam mais roubados”.
Sobre este episódio, transcrevo as palavras do primeiro-ministro David Cameron: “Eis aí uma advertência de que ninguém, não importa o quão importante ou poderoso seja, está fora do alcance do sistema judiciário”.
O Reino Unido, evidentemente, não é um país perfeito. Tem lá suas graves falhas por corrigir. Mas que tal meditarmos sobre este episódio? Há, nele, alguns aspectos relacionados à cultura e ao comportamento de todo um povo – e das instituições que o representam – que mereceriam profunda análise sob o pano de fundo da nossa realidade.
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