A maioria dos políticos, com algumas exceções, é formada por seres aparentemente racionais. Mas todos, sem exceção, à esquerda, ao centro ou à direita, movem-se primordialmente pelo instinto primário da sobrevivência. Ou seja, atuam exata e precisamente como qualquer ser irracional.
Claro que existem exceções que justificam a regra, por isso usei a palavra “maioria” lá na primeira linha. Essa característica os torna animais perigosíssimos, porque colocam o interesse pessoal à frente do interesse público. Lutam sofregamente pela sobrevivência política e pelo enriquecimento pessoal. Roubam, corrompem e são corrompidos, matam e morrem por esse objetivo. No dialeto político, essa prática se chama fisiologismo. Na língua de trapo das ruas é o velho: “Mateus, primeiro os teus”. Ou, em nordestinês castiço: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Mas, por paradoxal que pareça, no atual momento o instinto primário de sobrevivência dos políticos pode ajudar a defender… o interesse público! Por favor, não ria. Não perdi definitivamente o senso. Espere um pouquinho que eu explico.
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O destroçamento das instituições públicas basilares do sistema democrático e republicano promovido pelo governo Bolsonaro em todos os níveis e instâncias conduziu o país a um beco sem saída. Começa pela cooptação ideológica baseada no apelo aos baixos instintos dos órfãos da ditadura militar.
A ela se alia a pregação falso moralista que exalta a “família”, mesmo em detrimento das construções familiares que contrariem as fórmulas estratificadas pelo mais abjeto dos conservadorismos, excluindo, por exemplo, as famílias homossexuais ou as que fogem ao modelo instituído pela civilização cristã ocidental.
Essa pregação magnetiza e seduz os setores evangélicos que professam um cristianismo oportunista e argentário. Ele, a cada dia, cresce mais porque promete a riqueza e sucesso – o paraíso – agora, e não depois da morte, como promete o cristianismo clássico. Tudo isso em sintonia fina com um grande número de parlamentares mantidos no cabresto curto dos bilhões de reais distribuídos na forma de emendas parlamentares, muitos deles facilmente enquadráveis em várias das categorias acima, todas elas se retro e autoalimentando.
Esse quadro formou um caldo podre onde os vírus letais do autoritarismo vicejam e se multiplicam. O barco está à deriva pela inércia das instituições legislativas e judiciárias. Estas últimas estão manietadas por uma legislação que as impede a agir de ofício, na omissão do legislativo, para botar ordem no galinheiro, mesmo que haja desejo dos supremos ministros de intervir e restabelecer as garantias democráticas.
Se tá afundando, é hora de cair fora do barco
Mas há uma luzinha no fim do túnel, sim. O derretimento do apoio popular ao governo Bolsonaro, revelado pelas últimas pesquisas, ao lado das revelações demolidoras da CPI, que agora bateram na porta do gabinete presidencial. O novo componente joga por terra um dos principais pilares do discurso bolsonarista – o do combate à corrupção. Foi esse pilar que seduziu em 2018 o eleitorado ressentido com a roubalheira dos mensalões e petrolões dos governos petistas.
Agora, subitamente, parlamentares que se preocupam mais em salvar a própria pele do que salvar o país ficaram de orelha em pé. Perceberam que o barco está fazendo água, tem furos por todo lado. Mateus, primeiros os teus. Farinha pouca, meu pirão primeiro. O apoio incondicional do Centrão começou a derreter junto com o derretimento da imagem de Bolsonaro. Esse novo quadro pode, agora sim, resultar numa fuga do barco furado. E dar os votos capazes de aprovar um dos centenas de pedidos de impeachment que dormitam na gaveta do deputado Arthur Lira, o presidente da Câmara.
É hora de aumentar a pressão
Claro que ainda é cedo para bater o martelo. A pressão precisa continuar, e cada vez mais intensa. Até porque tem é chão até a eleição. Nesse percurso, é possível que haja uma queda nas taxas inflacionárias; uma recuperação dos setores produtivos e um reequilíbrio da economia; e, com a aceleração da vacinação, uma reação do setor de serviços, o mais impactado pela redução da circulação da população pelo isolamento social. Isso tem um enorme impacto social.
Sem falar que Bolsonaro tem a caneta cheia, e pode sair distribuindo benesses a torto e a direito, para com isso reduzir sua rejeição. Aliás, já começou, com os acenos a um bolsa família mais rechonchudo e a ampliação das taxas de isenção do imposto de renda.
Por isso é bom aproveitar a luzinha tímida que se acendeu no fim do túnel. E aumentar a pressão, avisando aos deputados e senadores da base de apoio a Bolsonaro que se cuidem. Pois, se insistirem em permanecer no barco furado, correm o sério risco de naufragar junto com o comandante suicida.
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