Dia desses, passando por um aeroporto, fiquei a meditar sobre a teoria da seleção natural, segundo a qual só os fortes e adaptados sobrevivem e apuram suas linhagens – ou, no nosso caso, chegam ao destino.
Tudo começa ao saltar do táxi que o levou ao aeroporto. Você fica lá, com suas malas, procurando um carrinho de bagagens – quase sempre distante ou defeituoso, exigindo uma força imensa para ser empurrado e manobrado. Se você não tem condições físicas de superar este desafio, você não é um forte – então fique em casa jogando dominó.
Em seguida, prepare-se para ficar uns 30 minutos em pé, firme e forte ao lado de suas bagagens, na fila do “check-in”, quase sempre suando por conta do esforço de empurrá-las de um lado para o outro. Se resistir a isso não está ao seu alcance, você não é um forte – então fique em casa jogando paciência.
Concluída a parte burocrática, perceba que normalmente aeroportos praticamente não têm assentos livres para passageiros – afinal, descontado o espaço para lojas, bares e livrarias, não dá para colocar muitas cadeiras no resto. Assim, o jeito é ficar em pé, impávido, carregando sua bagagem de mão. Se, por algum motivo, isto não lhe for possível, você não é um forte – então fique em casa fazendo palavras cruzadas.
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Na hora do embarque, não será raro que alguma funcionária, falando depressa, chame os passageiros do “voo 1234, com destino a…” – e já não será possível ouvir o resto, pois ela sairá andando quase sempre apressadamente pelos longos corredores e íngremes escadas dos nossos aeroportos, liderando o “incrível Exército de Brancaleone” composto por passageiros esbaforidos. Se os rigores desta maratona forem demais para sua condição física, você não é um forte – então fique em casa montando algum quebra-cabeça.
Dentro do avião começará o desafio seguinte: acomodar-se. Se você for gordo ou grande, aguarda-o uma sessão de torturas digna dos tempos medievais. No primeiro caso, chegará ao final da viagem com os lados vermelhos, marcados e anestesiados. No segundo, padecerá de dores nos joelhos durante algumas horas. Logo, diante da modernidade dos aviões apertados, é melhor ir a algum hospital serrar as pernas ou coisa que o valha – até lá, não se arrisque a viajar.
PublicidadeSuperados todos estes desafios, chegou a hora do desembarque. Muitas vezes o aguarda, ao lado do avião, um ônibus que o conduzirá até o terminal de passageiros. Neste caso, a praxe é esperar que eles fiquem absolutamente lotados, quando então você terá que ser resistente e habilidoso para equilibrar-se em pé segurando sua bagagem de mão. Ou então ter tido vigor físico para sair na frente do avião e conseguir sentar-se. Se isto lhe é impossível, fique em casa tomando chá com bolachas.
E finalmente chegou o grande momento: retirar sua mala da esteira de bagagens! Ela virá passando depressa, a uma altura respeitável, e caberá a você, de um golpe só, levá-la ao ar e jogá-la sobre o carrinho de bagagens. Ou isto ou ficar em casa vendo novela.
Não sei bem por qual motivo, mas ao escrever estas linhas fiquei pensando nos elefantes. Dizem que eles são animais irracionais que jamais abandonam um membro da manada quando este estiver velho, doente ou ferido – condição à qual todos chegaremos algum dia.
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