Na disciplina “Jornalismo e Fake News”, que ministrei há dois anos na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, um dos temas mais cobrados dos especialistas que lá compareceram foi a razão pela qual as pessoas acreditam em fake news. E o consenso é que as pessoas acreditam no que confirma suas crenças ou opiniões anteriores, e rejeita o resto.
Pode parecer estranho, mas as pessoas, incluindo você e eu, temos uma enorme facilidade em atribuir veracidade às versões mais inverossímeis, desde que batam com o que já pensávamos a respeito. Pois romper com aquilo em que sempre se acreditou nos tira da zona de conforto. Por isso, muitos preferem aceitar o falso para não confrontar as próprias crenças. Ou seja: a comodidade, o conforto das velhas crenças, falsas ou verdadeiras, é infinitamente mais forte do que a busca da verdade. Não por outra razão, nas eleições, os políticos tradicionais repetem as velhas mentiras. E os eleitores repetem os mesmos votos… Porque a verdade, por vezes, dói. “Mas eu sempre acreditei nele, em tudo o que ele disse. Não vai ser vou agora que eu vou mudar de opinião”. Circula por aí uma charge ótima que resume bem essa conclusão:
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É o que a psicologia chama de viés de confirmação, fenômeno que vem sendo estudado em universidades do mundo todo, desde os anos 70, ainda no tempo dos “boatos”, os vovôs das fake news de hoje. E pouco tem a ver com robôs ou algoritmos, que até são muito importantes e preocupantes, mas que são mesmo é mecanismos sofisticados de disseminação de mensagens eletrônicas, falsas ou verdadeiras. Na verdade, os grandes responsáveis pela massificação das mensagens falsas são os próprios receptores, que as repassam a seus grupos de forma voluntária, por conhecer quem lhes enviou, e que, portanto, é alguém que goza de crédito. Porque uma coisa é você receber uma mensagem anônima. Outra é receber essa mesma mensagem de um conhecido, um amigo ou um parente.
Bolsonaro, o senhor da Paz!
Durante sua viagem à Rússia, circularam dezenas de postagens, brincalhonas ou sérias, situando Bolsonaro como o “estadista” que estaria contendo os ânimos de russos e ucranianos e fazendo-os abaixar as armas. Em duas delas, atribuídas ao ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem uma foto em que Salles o cumprimenta: “Parabéns, presidente!”. E Bolsonaro aparece, numa montagem, ocupando a primeira página da prestigiada revista TIME, sob o título: “Prêmio Nobel da Paz 2022”. Noutra, Salles usou a conhecida revista de oposição brasileira Carta Capital. Sob uma foto de Bolsonaro e dele próprio, Salles, os dois sorridentes e abraçados, o título: “Salles diz que Bolsonaro evitou a 3ª Guerra Mundial e sugere Prêmio Nobel da Paz”.
Parece brincadeira? Parece. Mas não é. E neste caso, o simples viés de confirmação não é suficiente para explicar a viralização desse tipo de mensagem. É evidente a existência de uma articulação sofisticada por trás dessas ações. A intenção é a de levantar o assunto, pô-lo “na roda”, por mais inverossímil que seja. Tudo dentro do velho bordão: “Falem mal, mas falem de mim”. O propósito não é converter os que se encontram do outro lado da polarização, impermeáveis a esse tipo de manipulação, mas afagar o ego dos simpatizantes e mordiscar um ou outro indeciso sensível a esse canto de sereia. “Olha, estão dizendo aí que o Bolsonaro é estadista, que evitou a guerra, que pode até ganhar o Nobel… Sei não… Pode até nem ser verdade mas o diabo é quem duvida, né?”
PublicidadeA prova da existência dessa articulação por trás das fake news que tentam construir um Bolsonaro estadista foi confirmada… por ele próprio!, quando inacreditavelmente utilizou a mesma frase usada por seus apoiadores na montagem de um vídeo fake, no qual é feita uma tradução falsa de um discurso de Putin agradecendo ao capitão por ter impedido o conflito. Bolsonaro entregou o ouro ao bandido ao repetir ipsis literis a frase do vídeo falso, ao falar com a imprensa depois do encontro com Putin: “Repito, o mundo é a nossa casa, e Deus está acima de todos nós”.
Na verdade, o que valeu mesmo para a imprensa internacional da visita ridícula de Bolsonaro à Rússia, e que está trazendo uma dor de cabeça dos diabos ao Itamaraty foi a bobagem de o capitão dizer a Putin, num dos momentos mais delicados das relações de forças no planeta, que está “solidário” com a Rússia. A palavra foi parar – apenas – na capa do prestigiado jornal New York Times. Ao mesmo tempo, a chancelaria e o próprio governo norte-americano puseram Bolsonaro no lugar que lhe cabe – a latrina da história. A porta-voz da Casa Branca, Jane Psaki, diante do mal-estar gerado pelo capitão-presidente-trapalhão, afirmou que o Brasil “parece estar do outro lado de onde está a maioria da comunidade global”. Não satisfeito, Bolsonaro foi à Hungria numa visita sem qualquer finalidade prática a não ser a de produzir um registro a ser usado em sua campanha política. Lá, encontrou-se com o primeiro-ministro ultradireitista Victor Orbán, conhecido por seus arrufos homofóbicos, e simpatizante aberto do nazismo. Pois Bolsonaro o tratou de “meu irmão”…
Ou seja: para ser estadista ou, pelo menos merecer estar no meio de uma discussão sobre esse tema, Bolsonaro ainda tem muito capim pra comer. Só aquele ali do gramado do Alvorada não é suficiente.
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