Anote: no ritmo crescente de insultos e agressões verbais em que vêm se travando os debates parlamentares, já-já assistiremos a cenas de pugilato em nossas casas legislativas. O pau vai comer, e vai comer feio. A pancadaria verbal há muito tempo extrapolou os limites da civilidade. O “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda foi expulso da roda e está trancado em casa, de cabeça baixa, se perguntando em que lugar foi parar o país da ginga, do carnaval e do futebol. O bom malandro perdeu o jogo de cintura e está no boteco afogando as mágoas, tentando compor um samba pra esquecer. E o homem da rua, como diz o Chico naquela canção, está em casa, na roda muda em frente à televisão, assistindo aos combates que substituíram os debates, pra ver quem mais bate, quem mais abate.
Nos plenários há tempos não se vê a malemolência de um Moreira da Silva, de um Zeca Pagodinho, de um Jards Macalé, essa gente bronzeada. Pelo contrário. O nível está mais para a truculência de uma luta de sangue, daquelas que se travavam nas arenas romanas, em que um gladiador com a espada apoiada no pescoço do adversário olhava a plateia, todos punham os polegares para baixo e, autorizado, enterrava a lâmina até o fundo, debaixo de aplausos frenéticos.
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Não há heróis nem mocinhos
O centro do palco foi ocupado pelos radicais de parte a parte. E atenção: não há heróis nem mocinhos na arena. Todos são boxeadores sem luvas. E tome sopapo. Quem acompanha os debates travados nos plenários, como tenho de fazer por dever de ofício, se preocupa um minuto depois do outro com a possibilidade de palavras grosseiras se converterem em safanões.
A polarização ideológica, acutizada durante a campanha, permanece durante os debates. É como se a campanha não tivesse terminado. Está faltando nas arenas parlamentares vozes de bom senso. Alguém que proponha que as armas sejam colocadas no chão e se trave um diálogo minimamente educado e produtivo. Impossível chegar-se a qualquer ponto que represente um avanço nos impasses em que o país está entalado se ambas as partes – e só sobraram duas! – não se conscientizarem de que o país é infinitamente superior às disputas miúdas pelo poder a qualquer custo.
A boçalidade dos bolsonaristas
Os bolsonaristas pronunciam-se num grau de boçalidade que estarrece quem acompanhou os representantes da ditadura nas tribunas parlamentares. Sim, em plena ditadura havia mais respeito, ponderação, e até, vá lá, inteligência. Integrantes dos partidos de apoio ao novo governo gastam saliva e paciência de quem assiste com louvaminhas a Bolsonaro e críticas à oposição, principalmente ao PT pela corrupção, enquanto escondem o Queiroz debaixo do tapete, juntamente com aqueles 24 mil da primeira dama. E o suco de laranja escorrendo pela sala.
Ideias? Quem está preocupado com isso? Na oposição, petistas e psolistas vêm dando um show de destempero verbal, os petistas exumando a cada investida o cadáver político de Lula, o Injustiçado, mantra cansativo, gasto e sem futuro. Afinal, o homem está preso. E não cola mais a arenga de preso político: é preso comum, sim. Meliante, na linguagem da antiga crônica policial. E a cada condenação que recebe, mais meliante fica. Já o Psol, incapaz de fazer jus ao sol que carrega no próprio nome, não consegue sair da condição de satélite apagado do PT, preso ao qual segue num alinhamento automático e estéril. Perde a cada dia a chance de ser um partido com discurso próprio e independente.
A crônica de uma carnificina anunciada
Estamos mal. Bem mal. Poderíamos estar melhor? Não: poderemos piorar ainda mais, caso o debate prossiga na base do olho por olho e dente por dente, o que poderá nos levar a ter em breve tempo uma legião de cegos desdentados.
E o Brasil na plateia, sem poder fazer nada, a não ser esperar que se cumpra a crônica de uma carnificina anunciada.
O risco iminente se é essa arena de boxe teimar em prevalecer sobre a arena de discussões sobre as reformas de que o país precisa pra voltar a crescer, o Congresso travar e a crise não nos abandonar tão cedo!