Sérgio Dusilek*
Há poucas semanas, no Twitter, interpelei o jornalista Guilherme Amado (Metrópoles) sobre uma postagem que ele fez afirmando que os pastores mais influentes eram os mais midiáticos. Para ele, quanto mais seguidores nas redes, maior a importância de uma liderança religiosa.
Ao transferir para o campo religioso a lógica da mídia digital, Amado desconsiderou algumas peculiaridades do meio evangélico que se fazem presentes. Logicamente que não se espera que ele, tampouco seus colegas de profissão, tenham conhecimento prévio destas particularidades.
Sendo assim, o que mais compõe essa importância, influência?
O meio evangélico produz muita literatura. São revistas para escola bíblica, para grupos etários, para grupos familiares. Tem livros e também bíblias comentadas para todo gosto e tipo. Um escritor de um determinado trimestre da Escola Bíblica consegue ser lido por centenas de milhares de crentes. Não só lido: seus estudos são apreciados e discutidos em aulas, normalmente dominicais. O traço comum da maioria de tais escritores? Pouquíssimos são midiáticos. Talvez porque tenham conteúdo demais para se renderem as platitudes que inundam as redes.
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Além de tais conteúdistas, outro fator importante é a respeitabilidade do líder. Há líderes que são extremamente influentes por conta da conduta aprovada, do caráter e coerência com que se regem por longos anos. São vozes por trás das vozes. É gente que faz a cabeça de líderes midiáticos, os quais, por diletantismo, não conferem o devido crédito.
Também há a influência daquilo que podemos chamar de famílias tradicionais do meio evangélico. Não precisa haver uniformidade de pensamento. O que distingue a influência, neste caso, é a extensão da família e sua atuação ministerial. São tios, filhos, primos, pais, avós, uma constelação de pessoas que se doaram no serviço a Deus. Eles se tornam lembrados, respeitados, não tanto pela qualidade do conteúdo, mas pela extensão da atuação. São comunidades, bairros, cidades, atingidas pela atuação de um mesmo clã.
Destaca-se, ainda, a influência oriunda de ministérios específicos. Conquanto não haja midiatização, são ministérios que por sua originalidade ou mesmo atuação em área considerada fronteiriça para a Igreja, recebem maior atenção ou mesmo curiosidade. Não possuem muitos seguidores nas redes, nem muitas curtidas nas postagens; todavia, são muito visualizados. Lembro-me de um pastor com poucos seguidores no facebook que compartilhou comigo que, em uma determinada semana de 2018, teve quase 30.000 visualizações da sua atuação naquela rede.
É preciso considerar as organizações do meio evangélico, cuja história e respeitabilidade precedem seus ocupantes. As informações são buscadas, ou ainda chanceladas, por conta da seriedade da organização. Sendo assim, os ocupantes dos principais cargos exercem grande influência, ainda que eles mesmos não sejam considerados midiáticos.
De igual modo, há uma dimensão que foge à compreensão humana. Trata-se da palavra profética, aquela que é enviada por Deus, a qual Ele fará ser ouvida de um jeito ou de outro. Talvez a autenticação de uma palavra com origem em Deus seja sua capilaridade, mesmo sem instrumentos oficiais ou midiáticos para que ela percorra a terra. Uma palavra vinda do coração de Deus, assim creem os evangélicos, tem alcance (embora possa não ter resposta) e tem perenidade. A bíblia é o testemunho de como os não influencers daquele tempo, tiveram suas palavras perpetuadas no próprio texto.
Desta forma, como explicar tamanho alcance? Ora, se a lógica é a midiática, como explicar o terremoto causado no ano passado por pastores cujo traço comum até então, era ter poucos seguidores nas redes? Por que tantos pastores, estes sim midiáticos, se deram o trabalho de tentar abafar aquelas “desprezíveis” falas?
Enfim, quem é importante no meio evangélico? Em um meio tão complexo, com inúmeras camadas, como é o evangélico, são vários os fatores que explicam a importância. Como vimos, o midiático pode, quando muito, ser um deles. Contudo, nem de longe é o principal.
Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas.
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