A verdade é que a fórmula do horário eleitoral gratuito se esgotou. Criado em 1962, sofreu diversas modificações ao longo do tempo. Chegou a ter grande audiência, sobretudo em função da novidade. Antes, candidato que queria aparecer no rádio ou na tv tinha de pagar pelas inserções. Nos Estados Unidos até hoje é assim. As produções, inicialmente muito precárias, foram se sofisticando com o tempo e incorporando formatos próprios do telejornalismo e da teledramaturgia. O horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, hoje num total de menos de uma hora no total, já chegou a ter mais de duas horas de duração, com veiculações pela manhã e à noite. Atualmente, além dos blocos matinal, vespertino e noturno, ainda existem as inserções curtas durante a programação normal das emissoras, nos intervalos comerciais. Esses espaços são hoje considerados pelos marqueteiros o filé da propaganda gratuita, por pegar carona nos horários de grande audiência como as novelas e os noticiosos. Pego de surpresa, o ouvinte ou telespectador não tem como escapar das mensagens eleitorais.
A audiência dos horários fixos desabou. Pesquisas mostram que no primeiro dia da propaganda noturna, pouco mais da metade dos televisores permaneceram ligados. Eu escrevi “ligados”, e não que houvesse alguém assistindo. E essa audiência só vem caindo. A explicação, para quem atua na área da comunicação, é a de que, se a audiência da própria televisão e do próprio rádio vêm se reduzindo sistematicamente em função da penetração avassaladora das redes sociais trazidas com a popularização da internet, seria inevitável a queda da audiência de um programa que já não conta com o fator surpresa – ao contrário, a previsibilidade é sua principal característica. E as produções não dispõem dos requisitos mínimos para atrair a audiência dos veículos tradicionais cuja audiência vem se esfarelando ao longo do tempo.
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Justiça eleitoral, partidos políticos, especialistas em comunicação e entidades da sociedade civil estão sendo desafiadas a se mobilizar para encontrar novas formas de propaganda político-eleitoral que recupere a atratividade do passado, sem apelações mas capaz de alcançar o eleitor que se afastou da audiência tradicional. Uma propaganda que efetivamente contribuía para o fortalecimento da democracia através da boa informação do eleitor.
Dois formatos se impõem facilmente como capazes de renovar e recuperar o poder de atração da propaganda eleitoral gratuita. Há anos venho defendendo uma fórmula que conjugue duas modalidades de produto. Uma delas é a entrevista, que já se comprovou de grande poder de atração de audiência, como se viu na série realizada com os presidenciáveis pelo Jornal Nacional da Rede Globo. Outra, os debates, nos quais os candidatos obrigatoriamente se apresentam tal como pensam e como são, e não como aparentam ser nas produções edulcoradas dos marqueteiros durante o horário gratuito, no qual a tônica definitivamente não é a verdade de cada um, mas a dissimulação milimetricamente produzida para ganhar a simpatia do eleitorado. Quanto aos debates, basta lembrar a alavancagem da audiência deles. Alguns chegam a bater a dos produtos tradicionais das emissoras nos mesmos horários.
Aos que consideram inviável a colocação em prática da ideia, é bom lembrar que a Justiça Eleitoral pode perfeitamente definir regras específicas tanto para a realização de debates para as disputas majoritárias de prefeito, governador e presidente quanto para as entrevistas para os mesmos cargos. Para os debates, uma ideia é a de que os candidatos participantes seriam escolhidos entre os mais bem situados nas pesquisas com base na média dos resultados recentes das sondagens realizadas por institutos credenciados junto à própria Justiça Eleitoral. Difícil? Sim, é uma ideia difícil de por em prática, mas não impossível. Os debates poderiam ser conduzidos por profissionais com formação na área de comunicação da própria Justiça Eleitoral (se não tem hoje, que sejam contratados!), e transmitidos em pool obrigatório de emissoras de rádio e tv. E as perguntas? Uma possibilidade é que seriam as mesmas para todos os candidatos, e sobre temas de interesse geral como saúde, educação, economia etc. E, tal como nos debates promovidos voluntariamente pelas emissoras, nos “debates oficiais” da Justiça Eleitoral também haveria direito de réplica e tréplica, com tempos rigorosamente definidos para cada participante.
Quanto aos candidatos a cargos proporcionais, seria mantido o atual sistema da propaganda eleitoral gratuita, mas apenas com as inserções avulsas, sem a existência de um horário de propaganda fixo, como o de hoje, que enfrenta uma forte e irreversível erosão de audiência.
É de se reconhecer: a ideia é desafiadora e pode até parecer inexequível. Mas o fato é que alguma coisa – que pode até nem ser nada do que aqui foi proposto – precisa ser feita. Porque, com a massificação da internet e seus produtos, as fórmulas usuais – inclusive as produções tradicionais do rádio e da tv – caminham em marcha batida rumo à extinção. Há de se lembrar do tempo em que as novelas demoravam perto de um ano, como foi o caso de “A grande mentira”, da Rede Globo, que teve 341 capítulos exibidos entre 1968 e 1969. Só a título de comparação, vídeos de mais de 3 minutos distribuídos por whatsapp já se enquadram na categoria dos longa-metragens!
Em síntese: o mundo mudou, e a propaganda eleitoral precisa se ajustar ao futuro. O detalhe é que o futuro é hoje.
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