Em muito boa hora, pessoas e instituições públicas e privadas passaram a discutir a integridade, reconhecendo, como faz a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que se trata de um valor essencial ao bem-estar econômico e social, bem como à prosperidade dos indivíduos e das sociedades como um todo.
I – Programas de Integridade: o que isso quer dizer?
Em nosso país, a chamada Lei Anticorrupção, Lei 12846/13, dispôs sobre a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública e o necessário compromisso com a integridade.
Referido marco legal alavancou uma série de medidas de compliance nas empresas, cujo termo, sinteticamente, quer dizer estar em conformidade ou verificar se as condutas e práticas internas estão compatíveis com as diversas regras, normativos e legislações. Nesse objeto, está inserido o programa de integridade, especialmente voltado à implantação de medidas ligadas à Lei Anticorrupção, a fim de combater fraudes, desvios e outros atos ilícitos.
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Em vigor, o Decreto 11129/22, que, ao regulamentar a Lei 12846/13, traz um capítulo específico (a partir do art. 56) sobre o programa de integridade, o qual consiste em um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos (praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira); e fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional.
No âmbito dos Estados, inúmeras leis reproduziram essas ideias. A título de exemplo, no DF, foi publicada a Lei 6112/18, que estabeleceu a obrigatoriedade de implementação do Programa de Integridade em todas as pessoas jurídicas que celebrem ajustes (com prazos de validade ou de execução e valores, respectivamente, iguais ou superiores a 180 dias e a R$ 5 milhões de reais), com a administração pública direta ou indireta do Distrito Federal em todas as esferas de poder.
PublicidadePor seu turno, a nova lei de licitações, Lei 14133/21, em seu art. 25, § 4º, determina a esse respeito que, nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto (assim consideradas aquelas superiores a R$ 200 milhões de reais), o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.
Recentemente, o Acórdão 1467/2022 Plenário TCU (Representação, Relator Ministro Aroldo Cedraz) entendeu que “É ilegal a exigência de apresentação de programa de integridade por parte das empresas participantes de licitação, como critério de habilitação”.
Além das empresas, o tema expandiu-se para o chamado compliance público, isto é, dentro da própria Administração Pública, sendo considerada a integridade um princípio de governança pública.
Em 2015, a Controladoria-Geral da União (CGU) publicou o Guia de Integridade Pública, e, dois anos depois, lançou o “Manual para Implementação de Programas de Integridade – orientações para o setor público”, como objetivo apresentar uma proposta de implementação de um Programa de Integridade por meio da elaboração de um Plano de Integridade, seus elementos básicos, as ações e medidas que precisam ser executadas, bem como formas de acompanhamento e aprimoramento do Programa.
De igual modo, o Poder Judiciário aderiu à iniciativa.
Em 2021, o CNJ editou a Resolução 410, de 23/08/21, que dispõe sobre as normas gerais e diretrizes para a instituição de sistemas de integridade no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, considerando a integridade PÚBLICA como o alinhamento consistente e adesão a valores, princípios e normas éticas comuns que sustentam e priorizam o interesse público sobre os interesses privados no setor público.
Foram especificados os elementos fundamentais que devem nortear o sistema de integridade dos órgãos do Poder Judiciário, em especial: profissionalismo e meritocracia; vedação ao nepotismo; inovação; sustentabilidade e responsabilidade social; prestação de contas e responsabilização; tempestividade e decoro.
A Resolução, apesar de não criar um sistema único de integridade a ser implantado no Poder Judiciário, forneceu a direção para que a alta administração desses tribunais possa implementar e adotar essas medidas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já instituiu, por meio da Resolução 757/21, o seu Programa e Plano de Integridade, trazendo a previsão, ainda, acerca da possibilidade de medidas e ações voltadas não só para a prevenção, detecção e punição, mas, também, de remediação de irregularidades administrativas, condutas ilícitas e desvios éticos.
No âmbito do Ministério Público, desde 2019 (Portaria CNMP 120/19), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) instituiu o seu Programa de Integridade, e, nessa esteira, são, também, vários os Ministérios Públicos (MPs) estaduais que já possuem seus programas de integridade, como demonstra uma simples pesquisa na rede mundial de computadores.
II – O Programa de Integridade no ambiente do controle externo
De igual modo, a ideia avança no ambiente dos Tribunais de Contas.
Em Santa Catarina, no ano de 2020, o MP estadual, o Tribunal de Contas e o MP de Contas catarinense, lançaram, em conjunto, seus programas de integridade, com base na Lei estadual 17.715/2019, estabelecendo a necessidade de um Plano, que deve contemplar os principais riscos identificados e a forma de implementação e monitoramento do Programa de Integridade e Compliance.
Como se vê, a iniciativa é fundamental e bastante oportuna no ambiente de compliance dentro dos Tribunais de Contas (TCs)! Contudo, não é demais refletir sobre essas medidas, a fim de que não sejam consideradas a nova panaceia do momento.
Não se pode imaginar que se vise com essas propostas, apenas, a criar mais um Programa e, a partir dele, um Plano novo, num ambiente organizacional que já deve possuir Políticas de Gestão de Riscos e de Segurança Institucional; Código e Comissão de Ética; Ouvidoria; Corregedoria; Auditoria e Controle Interno e Planejamento Estratégico.
Tomando-se por paradigma o Programa de Integridade preconizado para o Poder Judiciário, algumas reflexões devem ser feitas.
Em relação à eficiência, como enfrentar, por exemplo, o déficit de fiscalização do controle externo, diante do constante endividamento dos Estados e práticas irresponsáveis de gestão fiscal e financeira?
Como tratar da questão atinente à morosidade desse mesmo controle, diante da prescrição, que alcança bilhões de reais que jamais serão recuperados, e a baixa punição dos responsáveis?
Em relação ao fomento a atividades de detecção de irregularidades, como reverter a pouca relevância que é dada ao controle social e o justo temor de perseguição?
Nesse contexto, deve-se abordar a meritocracia e vedação ao nepotismo, como critério mínimo de realização dessas atividades, a exemplo do recente julgamento do STF, ADI 6655, em razão do qual, inclusive, o atual Presidente da entidade autora da Ação Direta, auditor de controle externo concursado, foi exonerado da função de coordenador e submetido a uma sindicância no TCE SE. Foi preciso o socorro do Judiciário, para que cessassem tais práticas.
Em relação à publicidade, como enfrentar a precária transparência nesses Portais?
Como, enfim, falar-se em compliance no ambiente dos Tribunais de Contas, únicas instituições na nossa República que não possuem qualquer controle externo a elas mesmas, deixando de se submeterem ao Conselho Nacional de Justiça, em cumprimento ao paradigma constitucional do Poder Judiciário?
São desafios que precisam ser enfrentados!
Por isso, não é possível utilizar palavras mágicas, para fazer transparecer uma realidade que não existe, partindo-se para a elaboração de Planos, que mais parecem cópias uns dos outros.
Programas e Planos de Integridade devem refletir os reais valores de uma instituição. Sem isso, são corpos sem alma e correm o risco de serem confundidos com marketing institucional, meramente midiáticos, no mais autêntico fake news, tão combatido, na atualidade.
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