*Heitor Peixoto
Quando eu era criança no interior de Minas, as incertezas sobre o futuro pareciam mais “certas”. Trabalhar com o quê? Casar? Ter ou não filhos? Quantos? Quando?
A lista não trazia muito mais do que isso.
O tempo passou, e tratou de organizar a estante da vida. Um tranco aqui, uma martelada no dedo ali, uma prateleira empenada acolá… Mas no fim (que espero não ser o fim ainda, pois ainda estou a caminho do tal “a vida começa aos 40”), tudo foi se acertando. Às vezes suavemente. Em outras, aos pescoções.
Penso nisso, e penso mais ainda ao tentar imaginar a criança ou o jovem de hoje, grupo no qual incluo meus dois filhos adolescentes.
As incertezas para elas e eles parecem mais vastas do que foram para mim, para a minha geração, para a sua. Infinitas, talvez.
A vida já vinha ganhando uma capacidade crescente de complicar as coisas, enquanto paradoxalmente parecia oferecer solução, remédio para tudo. Ou, quem sabe, um aplicativo de celular que fosse.
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E veio o vírus. Trouxe ameaças, mas também promessas.
As ameaças, ele vem confirmando da pior forma, com sete dígitos de mortes no globo. As promessas, tenho dúvidas se são ou serão cumpridas.
Em que melhoramos desde o início da pandemia? Ficamos mais solidários? Mais atentos ao outro? Com menos senso de urgência para banalidades? Com mais senso de urgência para o que de fato importa? Amamos mais? Ou brigamos (ainda) mais?
Na minha perspectiva, que vai só até onde o umbigo alcança e que, portanto, tem margem de erro de 100%, só não digo que houve estabilidade nas tensões que observo, porque penso que as pessoas submergiram um pouco mais.
As batalhas políticas parecem as mesmas. Só parecem. Dia desses teve tiro e morte aqui em Minas. Não foi a primeira vez, e cada vez parece menos ser a última.
Linchamentos, sobretudo, virtuais continuam. Ganham no máximo a roupa nova do “cancelamento”.
Escrachos públicos, não me lembro de ter visto ultimamente. Talvez tenham migrado para barracos públicos, gravados e postados, de tom igualmente vexatório e degradante.
No fim de toda essa divagação, vejo um país que parece queimar, real e simbolicamente, enquanto mais lágrimas se acumulam pelas mais de 140 mil vidas perdidas para a covid-19. Muitos nem mais se lembram, por esquecimento ou conveniência, que esse contingente é mais do que dobro da outrora indignante marca dos 60 mil homicídios/ano.
Escrevendo o parágrafo acima, de fogo e lágrimas, vem à minha mente a figura de um arco-íris. E voltando ao início do texto, quando eu era criança, arco-íris que se prezasse vinha com promessa de pote de ouro no final.
O tesouro bem que poderia ser o tal de “novo normal”. Só não sei agora qual dos dois é mais fictício, folclórico: o novo normal, ou o pote de ouro.
Talvez não encontremos nenhum dos dois ao cabo da jornada. Cento e quarenta e tantos mil certamente não o farão.
*Heitor Peixoto é jornalista.
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