Notícias oriundas de várias fontes diferentes apontam que o Presidente da República indicará o próximo ministro do STF entre os integrantes de uma seleta e qualificada lista composta, só e somente só, por homens. Caminhando por essa trilha o senhor Luís Inácio Lula da Silva cometerá um dos maiores erros de sua longa e marcante vida política.
É inegável que entre as mais tristes marcas da sociedade brasileira na atualidade encontram-se o machismo, a misoginia e o patriarcado. Alguns dados, especialmente relevantes, confirmam essa afirmação. No Brasil, em 2022, mais de 30% das mulheres brasileiras com mais de 16 anos sofreram algum tipo de violência por parte dos seus parceiros ou ex-companheiros. É a conclusão de uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, feita pelo DataFolha. A Desembargadora Salise Sanchotene, conforme divulgou o jornal Valor Econômico, apresentou um levantamento que demonstra a queda na participação feminina nas Cortes Superiores no Brasil. Em 2008, as mulheres ocupavam 23,6% das cadeiras. Atualmente, o índice caiu para 18,5%.
Recente declaração do Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, apontou que, no atual ritmo, a igualdade entre homens e mulheres terá que aguardar mais três séculos para vingar. Segundo avaliação da entidade, existe uma estagnação no tema da igualdade das mulheres nos últimos 20 anos. E, mais recentemente, observa-se um retrocesso. Guterres afirmou com todas as letras: “O progresso (dos direitos da mulher) está desaparecendo diante de nossos olhos”.
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É imperioso, portanto, avançar além das denúncias e reflexões sobre esse quadro preocupante. Não basta confiar apenas na formação de valores que promovam a cultura da igualdade e no repúdio de todas as formas de discriminação e opressão. É necessário agir com determinação, implementando ações e medidas concretas. Nessa seara, a ousadia é algo essencial, e não um excesso.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no final de 2020, mostrou o rumo a ser seguido. Promoveu-se uma alteração do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB para estabelecer a paridade de gênero e uma política de cotas raciais para negros (pretos e pardos), com um percentual de 30%, a partir das eleições realizadas em 2021.
Em 2009, por força da Lei n. 12.034, definiu-se que cada partido ou coligação, nas eleições proporcionais (Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores), preencherá um mínimo de 30% (trinta por cento) e um máximo de 70% (setenta por cento) das vagas para candidaturas de cada gênero.
PublicidadeEntre as medidas práticas a serem implementadas, o quanto antes, está a adoção da paridade de gênero nos colegiados e tribunais com competências decisórias de natureza administrativa ou judicial. Afinal, garantir a igualdade de participação de homens e mulheres em importantes instâncias de poder na sociedade tem um potencial enorme para fortalecer e multiplicar a ideia de tratamento isonômico entre os gêneros e reduzir os espaços de reprodução do machismo e da misoginia.
O contexto desenhado demonstra o tamanho do equívoco da indicação de um homem, mesmo que seja altamente qualificado, para preencher a vaga que será aberta no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria da Ministra Rosa Weber. Raras vezes é possível identificar com tanta clareza se a defesa do avanço dos espaços femininos é meramente retórica ou uma convicção que se manifesta por meio de ações assertivas quando surge a oportunidade.
O momento é especialmente delicado. A participação feminina no órgão máximo do Poder Judiciário já é insuficiente. Temos apenas duas ministras em um colegiado de onze cadeiras. Se o Presidente da República indicar um homem para a vaga que será aberta, a presença feminina na Corte será reduzida para a solitária atuação da Ministra Carmen Lúcia. Resta saber se o senhor Luís Inácio Lula da Silva, como registrado no início deste texto, pretende inscrever esse monumental erro na sua biografia política.
Importa destacar que diversos setores da sociedade brasileira, em especial os atores do sistema de Justiça, enfatizam a singular oportunidade de uma mulher negra ser alçada ao Supremo Tribunal Federal. Uma decisão nessa linha seria um acerto em dose dupla por parte do Chefe do Poder Executivo Federal. Com um só ato, seriam confrontadas duas das maiores formas de discriminação observadas atualmente. Juristas negras, com as credenciais exigidas pela Constituição, não faltam. A advogada Soraia Mendes, por exemplo, reúne um significativo apoio da sociedade civil para ocupar o elevado posto.
A recente escolha da advogada Edilene Lôbo como Ministra Substituta do Tribunal Superior Eleitoral é uma notícia positiva que merece comemoração. No entanto, essa escolha é claramente insuficiente e não pode ser utilizada como uma espécie de justificativa de que as mulheres já foram contempladas o bastante, permitindo assim que a futura vaga no Supremo Tribunal Federal seja preenchida por um homem.
O esforço necessário para combater todas as formas de opressão, preconceito e discriminação é desafiador e desgastante. Entretanto, esse desafio é um dos mais nobres e precisa ser enfrentado com coragem e altivez. Uma sociedade fundada na efetiva igualdade racial e de gênero produz um ambiente visceralmente positivo e construtivo, aproveitado por todos dotados de um mínimo de sensibilidade para o melhor que pode ser gerado em termos de convívio humano fundado na diversidade.
*Aldemario Araujo Castro
Advogado, mestre em Direito. Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 30 de junho de 2023
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