É assim: a gente vai andando por aí, encontra um amigo e ouve dele uma coisa que a princípio nem chama tanto a atenção. Aí, abre um jornal e lê outra coisa que, de novo, a princípio passa meio batida. Depois de alguns dias, abre outro jornal e lê uma terceira coisa que parece até meio óbvia. De repente essas coisas todas começam a “conversar” entre si, a fazer sentido, a apontar para uma conclusão. Até você arregalar os olhos e perceber que, juntas, essas três coisas conduzem a uma conclusão. Uma conclusão assustadora.
Outro dia, num corredor da Câmara, encontrei um colega cujas observações, sempre lúcidas, sempre gosto de ouvir. Naquele dia ele comentou que pouca gente percebeu, mas, no Brasil, os golpes sempre foram urdidos nas casernas. Como o golpe que instituiu a república, pilotado pelo Marechal Deodoro da Fonseca; como a quartelada que implantou a ditadura do Estado Novo de Vargas; e como o golpe de 64, que instituiu a sangrenta ditadura verde-oliva que durou mais de duas décadas.
Agora, ele prosseguiu, a urdidura dos golpes autoritários vem sendo feita dentro do próprio Congresso. É só perceber a desenvoltura como um deputado como Bolsonaro prega abertamente a volta dos militares ao poder, celebra de público os feitos de um torturador como Brilhante Ulstra e consegue alavancar um apoio popular tão grande que, hoje, as pesquisas o colocam num eventual segundo turno, à frente de políticos tradicionais, de centro, que patinam para obter, no mínimo, um tantinho assim de aceitação.
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Aí, de repente, dou por mim lendo uma entrevista de Gal Costa, que sempre foi tão avessa à exposição pública. Mas que se abriu madura, na Folha de S. Paulo, para, a certa altura, constatar o óbvio: “A censura não é boa, e o mais incrível é que hoje ela venha das pessoas, não de cima. Há uma raiva e uma intolerância no mundo e na gente comum. (…) O mundo me preocupa muito. Estou vendo um caos. E as pessoas com uma tendência pra direita. (…) Tenho a impressão de viver um tempo que está chegando ao fim”.
Gal conseguiu, em palavras simples e diretas, resumir toda angústia da situação atual da política e das artes no Brasil. A conclusão a que ela chegou casa-se, à perfeição, com a do amigo com quem cruzei no corredor da Câmara. Ambos perceberam que não existe – agora – a imposição de ideias conservadoras e/ou reacionárias de cima pra baixo. Os próprios cidadãos é que estão, cá embaixo, empenhados na defesa do que há de mais abjeto e nocivo para a convivência democrática e a formação de uma sociedade moderna e tolerante.
Pensando nessas coisas, abro o Correio Braziliense e encontro uma declaração do presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), desembargador Romeu Gonzaga Neiva. E, clang!, tudo se encaixa. Reparem no que ele disse: “A grande reforma do Brasil será a do eleitor. É preciso dar condições intelectuais, discutir mais entre grupos. Só a partir da modificação da forma de o eleitor agir é que a grande reforma sairá”.
Bingo! Na mosca.
O que estamos precisando, de fato, é de informação qualificada, e não dos fragmentos de informação viciada que circula pelas redes sociais, a partir das quais estão se consolidando as ideias e as convicções. Precisamos de reflexão em profundidade, que poderia começar nas famílias, depois nas escolas, depois nas entidades da sociedade organizada. Sem o ranço das ideias prontas. Sem palavras de ordem. Sem ordem unida. Mas com a profundidade que o pensamento exige, mergulhando um pouco mais fundo na verdade das raízes, e não apenas na verde ilusão das folhas. E no incentivo ao pensamento livre e crítico, ao que chamo de “desconfiômetro cívico”, ou seja, à capacidade de distinguir efetivamente o que interessa do que não passa de ilusionismo pseudo-democrático.
Sim, eu sei, garoto: dá trabalho. Mas, se você deixar um bocadinho de lado esse celular aí e pensar – simplesmente pensar um pouco – pela sua própria cabeça, já será um bom começo. Invente, tente. Faça um você diferente.
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