Não são apenas os cabelos que rareiam com o passar dos anos: o tempo que despendemos com os amigos parece minguar na mesma proporção. Claro: tá todo mundo muito ocupado, “tô na maior correria”, chega a sexta-feira e… “estou exausto!”, não sobra energia para mais nada, “que tal marcarmos algo para semana que vem?”.
De adiamento em adiamento, os meses vão passando e, de repente, você se dá conta de que abril já chegou e ainda não encontrou nem fulano nem sicrano este ano. “Que tal um café para matarmos a saudade?” “Pô, hoje não vai dar, vamos deixar para outro dia…”.
Que falta fazem esses momentos com os amigos! Cícero, no diálogo Lélio, ou a amizade, chega a perguntar se seria aceitável uma vida que não encontrasse essas pausas de descanso para se partilhar a afeição entre amigos. Para o filósofo romano, não há nada mais agradável do que se ter alguém a quem se ousa contar tudo: afinal, são os amigos que, ao se alegrarem com os nossos sucessos, os potencializam; e que se mostram mais pesarosos com nossos revesses do que nós mesmos, tornando-os, assim, mais fáceis de suportá-los.
Conversas triviais
Ora, se assim fosse, pareceria um contrassenso o fato de não nos esforçarmos ao máximo para viver esses momentos. Mas, será que realmente estamos abrindo nossos corações aos amigos e partilhando com eles nossas conquistas e tropeços? Ou será que, ao nos tornarmos mais reservados com a idade, ao atermos nossas conversações apenas às trivialidades do cotidiano, aos assuntos do momento, não estamos deixando de aproveitar aquilo que só a verdadeira amizade pode oferecer? Afinal, ninguém precisa mais sair de casa para ficar de conversinha superficial: basta abrir o Facebook e sair disparando comentários e gracinhas! Vem daí, quem sabe, a preguiça na hora de aceitar aquele convite para um café…
Leia também
O teste do tempo
PublicidadeCícero nos chama a atenção para a dificuldade que as amizades têm de sobreviverem ao tempo. Com o passar dos anos, ele nos diz, podem surgir divergências de interesse e de sensibilidade política, fatais para a continuidade da relação. Imagina como seria difícil aguentar o seu amigo rock’n’roll da época da faculdade passar a noite só falando de baladas sertanejas? Ou quem sabe descobrir que o brother com quem você discutia os aspectos conservadores do governo FHC de repente virou um defensor do Bolsonaro? Até que ponto uma amizade poderia suportar mudanças assim?
Essas são, segundo Cícero, apenas algumas das ameaças à amizade. Há outras: as mudanças de caráter, a competição por lucros ou por cargos, os pedidos inconvenientes, etc. Para superá-las, o filósofo aconselha sabedoria e, também, sorte. Nenhum esforço é em vão, pois, como define o autor do diálogo, os amigos são o melhor e o mais belo ornamento da vida.
Do mesmo autor:
<< Alguém viu o bom senso por aí?
<< O que a Ilíada pode nos ensinar sobre a relação professor-aluno?
Deixe um comentário