A internet desempenhou um papel fundamental no combate ao horror estabelecido no Rio Grande do Sul. Desde doações de comida, água, roupas e colchões até a arrecadação de recursos para enfrentar esta primeira fase de falência total do estado, a rede mostrou seu valor no combate a crises humanitárias.
A pesquisadora Pappacharissi afirmou que a rede é fundamental para conectar políticas e promover ações populares, mais do que apenas conectar pessoas. No entanto, a exposição excessiva das pessoas, a desinformação e a polarização também estiveram presentes nas redes sociais, com efeitos muito ruins para a superação da crise, dificultando a ajuda, as doações e o trabalho das autoridades.
Parece cruel, mas constatamos golpes com PIX falsos para doações, além de uma politização extrema, com acusações falsas contra governos que estariam socorrendo apenas uma parte das vítimas ou criando dificuldades logísticas para o salvamento.
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A desinformação é uma das maiores preocupações em nível internacional, conforme revela o Relatório lançado em janeiro deste ano no Fórum Econômico Mundial. De acordo com o Global Risk Report 2024, as informações falsas, alavancadas pelo uso da inteligência artificial, como os deep fakes, são consideradas os maiores riscos, especialmente neste cenário de eleições globais nos próximos dois anos. Entre os riscos previstos no relatório, estão a disrupção de processos eleitorais, visões polarizadas, que podem levar a agitações civis e escalada de conflitos sociais, além de novos tipos de crimes, por meio das deep fakes, as imagens sintéticas. Quando um país tenta se unir, como vimos na tragédia do Rio Grande do Sul, a desinformação torna-se uma ameaça à sociedade, criando questionamentos sobre a legitimidade, tanto de governos quanto da própria sociedade, que vem da mobilização popular e de grupos da internet, como influenciadores.
Então isso é ruim, quer dizer que é preciso que as pessoas parem de falar dos temas importante? Se elas falam, estão sendo oportunistas. Se calam, estão sendo indiferentes. Qual é o paradoxo neste caso?
PublicidadeA resposta aqui é a transparência e a regulação, que infelizmente, nós não temos. É preciso que esteja claro quanto essas pessoas ganham para circular aquele conteúdo. É necessário que elas também deixem claro quais são suas posições políticas e ideológicas e quais os seus objetivos de curto e médio prazo.
Por que não posso comparar um jornalista com um influenciador, por exemplo? Porque os jornalistas estão ligados a uma empresa que tem a submissão de regras e códigos de ética e normas da empresa e das leis.
O influenciador não está ligado a nada e alguns deles funcionam como seitas, misturando política, religião e gerando muitas ilusões nas pessoas. A persuasão é a maior ferramenta de poder na internet, e ela funciona muito bem, tanto que não pode ser usada sem regras claras de responsabilização.
Então estamos querendo colocar uma mordaça na boca dos influenciadores digitais? E como fica a liberdade de expressão? Quando você fala em responsabilidade, está sugerindo implicitamente a censura?
Como destaca Ana Frazão, existe um trade-off entre a prevenção da desinformação e a preservação da liberdade de expressão, ou seja, é preciso equilibrar os dois direitos, para que o controle da desinformação esteja nos limites dos direitos humanos de livre opinião.
A liberdade de expressão é a chuva, mas embaixo dela há um guarda-chuva que protege as pessoas de crimes de opinião, como calúnia, difamação, injúria e diversos outros crimes que estão listados no PL 2630, que está em tramitação nesta Casa.
Essa separação entre opinião e desinformação tem que ser feita por meio da responsabilização, não é isso?
Na última coluna no site Jota, Ana Frazão afirma que nunca houve um momento tão crítico para a democracia, e lembramos que estamos em ano eleitoral. As plataformas exercem enorme poder sobre o debate público e têm a capacidade de espalhar inverdades sobre o processo eleitoral, os candidatos ou as instituições, desestabilizando a democracia. A Meta, uma das mais acusadas de serem omissas, criou um comitê, o Oversight Board, que aponta que o design e as escolhas da plataforma, por meio dos algoritmos de recomendação, potencializam as narrativas promovidas por redes ou influenciadores, levando à violência offline.
Os influenciadores não apenas informam, mas também se conectam emocionalmente com seus seguidores, a partir de interações genuínas.
Em outro artigo, Ana Frazão argumenta que o problema desse mercado é que ele funciona à margem das regulações sobre publicidade e sem a devida transparência, o que já levou alguns países, como a França, a elaborar uma legislação para disciplinar a influência comercial, deixando claro que se trata de uma atividade lucrativa.
As consequências, em caso de descumprimento, são graves, incluindo até restrição da liberdade. As obrigações vão desde a transparência e informação até a vedação de alguns produtos, como remédios e fumígeros.
Nos Estados Unidos, os influenciadores devem identificar os conteúdos pagos.
A tragédia do Rio Grande do Sul é uma oportunidade para discutir a responsabilidade desses atores. Entre elas, respeitar as normas de defesa do consumidor, que inclui o direito à informação e à verdade. Também devem ser responsabilizados por danos pelos produtos que vendem, quando for o caso, igual às agências de publicidade.
Além de deixar claro qual a relação com as ideias que defendem e os produtos que promovem. As questões que ficam são:
- Teremos coragem de responsabilizar os influenciadores que pregam discursos de ódio e polarização quando vivemos uma das maiores tragédias humanitárias deste país?
- Conseguiremos nos unir para uma ação coletiva para as próximas etapas da luta pela reconstrução do Rio Grande do Sul, com uma internet tão polarizada?
- Vamos revisar a agenda ambiental do legislativo para retirar as propostas que possam contribuir ou reforçar desastres ambientais dessa natureza, sem apelo à desinformação?
- Vamos nos articular para as próximas etapas de recuperação do estado, quando o pior passar?
São as reflexões que ficam, dentre tantas outras, desta triste tragédia.
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