Várias modas proliferam em nosso assaltado país. Uma das mais recentes, e danosas, é a tal da “emenda individual impositiva” ao orçamento público. Para quem ainda não sabe como seu dinheiro está desaparecendo, trata-se do poder de um parlamentar de indicar onde, a quem e para quê deve ser destinado uma parte do dinheiro que o governo tomou do cidadão a título de imposto.
Inicialmente, até parecia uma boa nova. Antes de surgir, o Poder Executivo – leia-se, presidente da república, governadores e prefeitos –
chantageava os parlamentares: quem votasse a favor do governo teria verbas, quem fosse contra raramente as conseguia. A aplicação do dinheiro assim liberado estava, teoricamente, sob controle dos tribunais de contas, órgãos sempre dominados por políticos aposentados e amigos de políticos na ativa! Só que de boas intenções o inferno está cheio, e o resultado dessa obrigatoriedade tem sido muito, muito diferente.
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Tornadas obrigatórias, acabou tal poder de pressão do Executivo e tornou-se ainda mais precária a fiscalização. Os recursos, retirados dos
cidadãos pelos governos, são entregues a organizações indicadas pelos parlamentares, para que estas executem ações que eles definem.
Contempladas sem licitação, sem necessidade de demonstrar competência ou experiência, com baixíssima chance de serem fiscalizadas, com amigos no judiciário para protegê-las se necessário, agraciadas principalmente pela ligação que têm com o parlamentar, os dirigentes dessas organizações buscam “agradecer” ao político que as beneficiou. Daí a prática do “cash-back”!
Como a fiscalização é precária, é impossível saber qual a proporção do “cash-back”. Aqueles que conhecem o funcionamento dos parlamentos no Brasil, assim como as intricadas relações entre empresas e governos, estimam que no mínimo 20% da verba liberada volta como “cash-back”! É grana, muita grana! Notícias da imprensa e ações das polícias, envolvendo kits de robótica, treinamentos não avaliáveis, distribuição de tratores ou ambulâncias e outros, sugerem que a parcela do cash-back pode ser ainda maior!
No parlamento Federal temos 594 indivíduos, nos estados 1.059 e nas câmaras de vereadores 58.208 (em 2020). No total, arredondando, 60.000 beneficiados pelas “emendas individuais impositivas”. Isto, supondo que todas as câmaras municipais já tenham seguido a moda ditada pelo exemplo Federal, adotando as emendas cash-back! Muitas já o fizeram, e é apenas questão de tempo para que todas o façam! Mal para o país, ótimo para aqueles 60.000!
Só do orçamento Federal, sem contar os dos estados e municípios, para 2024 estão destinados, naquelas emendas, R$54 bilhões! Ou seja, de cada brasileiro será retirado R$257,00, para que cada parlamentar, na média geral, use como quiser R$900.000,00 (novecentos mil reais), ou cerca de 643 salários-mínimos, ou ainda, 50 anos de trabalho de quem ganha tal salário de fome, o que inclui 60% dos brasileiros!!!
Para finalizar, considerando a hipótese de um cash-back de 20%, cada parlamentar terá, na média, uma receita extra, por fora de impostos, da ordem de R$180.000,00, ou cerca de dez anos da renda de 60% dos brasileiros.
Com tal diferencial de renda, é improvável que os ditos representantes do povo de fato representem a população. Cientes dessa verdade, ficam bravos quando alguém ponta tal divergência. Valem, pois, as questões: a quem tais políticos representam? Quais leis precisamos alterar de forma a instalar algo que possa ser chamado de democracia representativa?