É possível superar a sub-representação eleitoral de mulheres? Claro. Porém, não sem uma nova cultura de direitos.
No último final de semana foi divulgado um áudio asqueroso, covarde e desumano do deputado estadual Arthur do Val sobre as mulheres ucranianas e uma suposta facilidade sexual fruto de suas condições de vulnerabilidade diante da guerra e do empobrecimento. O áudio foi amplamente divulgado e criticado por mulheres ativistas, políticos, intelectuais e pela população em geral. Em sua defesa, o Deputado disse que o áudio foi infeliz e retirado de contexto.
Em primeiro lugar, não há contexto que mitigue a violência sexista e classista da fala do deputado. A cultura do estupro, que é o conjunto de práticas sexistas que reforçam e mantêm no patriarcado as mulheres na posição de objeto e subordinação, endossando e justificando práticas de violência sexual, pode ser exemplificada pelo citado áudio. Ao atribuir às ucranianas o adjetivo de “fácil”, reforçado pela pobreza e condição de vulnerabilidade a que todas as mulheres refugiadas são submetidas, informa-se sobre um olhar para as mulheres (não apenas as ucranianas) sexualizado e objetificado, diante do qual essas são expostas como propriedade para uso e deleite sádico.
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O combate à cultura do estupro – assim como o enfrentamento ao racismo e outras opressões – necessita de uma nova cultura de direitos e, para tal, a produção de uma educação mais inclusiva, crítica, que se baseie em princípios antirracistas, antissexistas e anti-lgbtfóbicos. Em termos gerais, poderíamos estar falando sobre diretrizes da educação alinhada ao respeito aos direitos humanos e à diversidade, ou seja, em cumprimento ao que determina a Constituição de 1988 e outros instrumentos internacionais dedicados aos direitos das mulheres e de proteção aos direitos humanos. Mas, nos tempos atuais, após a enxurrada de retrocessos que acompanhamos, é preciso admitir que nosso modelo legal (e político) tem permitido novas leis de constitucionalidade no mínimo questionáveis, fruto do trabalho dos antagonistas de direitos para as coletividades no Brasil – curiosamente, muitos parlamentares.
Não é de se espantar que o (ainda) deputado, autor das ofensas às ucranianas, integre o grupo político MBL (Movimento Brasil Livre), defensor do projeto Escola Sem Partido, que tinha dentro dos seus objetivos impedir o debate sobre gênero e sexualidade nas escolas, atribuindo ao tratamento desses temas a alcunha de ideologia de gênero, dentre outras distorções.
As práticas sexistas (e racistas) na política eleitoral são utilizadas como meio de auto reforçar os privilégios dos homens no patriarcado, através do eco de suas ideias na manutenção do poder, da fala e do espaço público. Essas práticas também encontram abrigo na cultura do estupro. Ou seja, não é possível ignorar o quanto a banalização e objetificação do papel da mulher na sociedade contribui para a sub-representação das mulheres do poder.
PublicidadeA equação da participação política de mulheres e negros nunca terá resultado positivo enquanto as práticas coloniais e do patriarcado se mantenham como raízes intocáveis alimentando as relações sociais e de poder na sociedade brasileira. Para mudar a política, além de outras presenças, é preciso outro modo de pensar e fazer a política, crítico e atento as formas de opressão que fundaram nossa história e prática cotidiana. Enfim, são necessárias e urgentes outras epistemologias que não encarcerem a colônia na República, e chame de Estado de Direito a barbárie que dita o dia-a-dia (dentro e fora do espaço público).
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