A oito meses da eleição presidencial norte-americana, Biden encontra-se diante de um grande desafio, tanto no plano interno, quanto no externo. Desafios econômicos e questões relacionadas à imigração à parte, os conflitos internacionais Israel-Hamas e Ucrânia-Rússia mostram-se especialmente complexos, num momento de tantos desentendimentos políticos internos sobre qual papel os EUA devem ter: promover a democracia no mundo deve ser uma prioridade para os EUA? Sem falar dos desdobramentos na aprovação do orçamento de defesa, que tem dado muita dor de cabeça a Biden.
Os EUA se empenharam desde o início da gestão Biden em dar apoio à Ucrânia, contra a invasão russa. Apoio esse que veio também de todos os países europeus que fazem parte da Otan. O mesmo apoio norte-americano se manifestou posteriormente quando houve o ataque do Hamas a Israel. Devemos destacar aqui a forte pressão do lobby israelense dentro do Congresso norte-americano e também de parte da opinião pública local pró-Israel, tornando o alinhamento dos Estados Unidos àquele país praticamente automático. No entanto, o desenrolar do conflito mostrou o ataque sistemático e indiscriminado de Israel à população civil palestina: mulheres, crianças, idosos, hospitais, escolas e comunidades. Aí Biden precisou mudar a estratégia, de um alinhamento automático para um alinhamento mais pragmático, avalia José Renato da Silveira, internacionalista e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (RS).
A comunidade internacional e a ONU vêm condenando veementemente os ataques israelenses. As grandes potências internacionais têm classificado o ataque de Israel contra a Palestina como genocídio. Uma investigação sobre esse assunto foi aberta na ONU a pedido da África do Sul, com apoio do governo brasileiro. Quanto mais alvos civis são alvejados, mais vozes democratas — ou seja, do próprio partido de Joe Biden — e, principalmente, dos jovens progressistas, grupo demográfico eleitoralmente importantíssimo para o presidente, cobram da Casa Branca uma postura mais dura com relação a Israel.
Netanyahu, por sua vez, parece não ceder às pressões norte-americanas ou da ONU por um cessar-fogo. O primeiro-ministro de Israel é uma figura política dessa extrema direita que vem crescendo em diversas partes do globo. “Ao final da Segunda Guerra Mundial e da dinâmica pós-guerra fria, havia o grupo das democracias liberais de um lado e o comunismo expresso pela União Soviética do outro. Naquele momento histórico, a representação do nazismo e do fascismo havia de certo modo sido ceifada. O que parece hoje em dia é que eles estavam dentro do armário e agora reapareceram, com uma nova roupagem” analisa José Renato da Silveira.
O próprio ex-presidente Trump é um fenômeno da extrema direita. Extremamente populista, esta semana Trump declarou que defenderia uma investida da Rússia em qualquer país membro da Otan, fala que já ecoou de forma bastante negativa nos países europeus e reflete seu comportamento unilateral, “isolacionista-nacionalista-patriótico” perante o mundo. A questão orçamentária tem sido muito colocada na pauta política eleitoral norte-americana. Trump defende “orçamento zero” para as questões internacionais, e acusa os países europeus de diminuírem os gastos com os conflitos militares em curso às custas dos EUA, o que não é verdade.
Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, o gasto militar global disparou em 2023 e atingiu o maior patamar histórico pós-Segunda Guerra. Os EUA são responsáveis por nada menos que 41% das despesas militares do planeta, montante que representa pouco mais de 3% do PIB americano. Os países europeus que compõem a Otan tiveram um aumento real de cerca de 40% nos seus gastos com defesa em razão da guerra na Ucrânia.
PublicidadeOs desafios que Biden enfrenta neste ano eleitoral são muitos e complexos. A importância do resultado da eleição vai muito além das fronteiras norte-americanas. A defesa da democracia liberal e do respeito aos tratados e organizações internacionais seria muito impactado no caso de uma derrota do candidato democrata. O “wanna be” Putin, Donald Trump, já mostrou que vira as costas para qualquer conflito internacional. Existe uma admiração mútua entre as figuras extremistas de tendências autocráticas. A duplinha Trump/Putin nutre um carinho muito grande pela quebra do Estado Democrático de Direito, e, claramente, move-se pela pulsão de perpetuação no poder.
Este artigo teve a colaboração de José Renato da Silveira, professor associado do Departamento de Economia e Relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (RS).
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