Falar de Rubem dos Santos, o Confete, sobrinho de Aniceto do Império, mangueirense doente, jornalista , compositor, teatrólogo, radialista, é tratar de arte e poesia.. Durante quarenta e dois anos ininterruptos, apresentou seu programa de samba na Rádio Nacional, tendo faltado apenas uma vez por conta de uma conjuntivite. Confete, como todos o conhecem, é considerado o griot dos sambistas. Aos 84 anos continua com o mesmo élan em suas atividades, pois falar, cantar e refletir sobre samba faz parte do seu viver. Porém, de repente e pelo telefone, vem a notícia de seu desligamento da EBC Rádio Nacional. Como se quer fazer o silenciamento de um griot ? Ele vive para contar as suas histórias e memórias!
Muito são os agradecimentos que precisamos fazer ao Confete.. Dizer obrigada em português é uma das formas mais ricas de agradecimento, porque nos obriga a reconhecer o bem que recebemos, sendo muito mais forte que merci – grato em francês ou thank you –agradecido em inglês. Rubem Confete faz parte da minha vida há mais de cinquenta anos. Nos conhecemos jovens, entusiasmados com as nossas tradições culturais negras, lutando por nossa identidade e reconhecimento. Confete me deu de presente uma irmã: Zélia que virou Zelia Confete, sua companheira há mais de trinta anos, que, sempre parceira, recebe em sua casa a fina flor do samba e os amigos diletos. Confete, apesar da deficiência visual que o acometeu há muitos anos, sempre manteve suas atividades de jornalista, bem como palestrante em vários encontros acadêmicos sobre a história do samba carioca e seus personagens.
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Juntos estivemos com Candeia na criação do Grêmio Recreativo e Escola de Samba Quilombo, em encontros da Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil (SECNEB) em Salvador, em depoimento no Museu da Imagem e do Som, onde é considerado patrimônio do samba. Quando iniciei meu programa Origens na Rádio MEC/Am nos anos 80, recebi o maior apoio do Rubem em seu programa na Rádio Nacional e em todos os espaços de ativistas negros, facilitando meu acesso a cantores já consagrados, seus amigos de longa data. Muito aprendi sobre a história das escolas de samba e seus fundadores, conseguindo o depoimento de Rubem Confete para o projeto do Dossiê sobre o tombamento do Samba como Patrimônio Imaterial do Rio de Janeiro, que redigi para o Centro Cultural Cartola apresentar ao IPHAN. Eis o depoimento de Confete sobre samba e religiosidade:
“ Considero fundamental a declaração do samba como patrimônio cultural brasileiro por situar o samba como a maior expressão musical do mundo fora da linha editorial. Todos os gêneros musicais contaram sempre com a preocupação dos editores de mostrar, defender e vender as suas partituras. Com o samba isto não ocorreu. Ele veio subindo, pegando força e quando eles acordaram, o samba estava aí. Isto foi há muitos anos. Hoje os editores estão reproduzindo na Europa gravações de anos atrás e toda a Europa curte o samba em nossos dias.
Agora, qual a grande estrela do samba? Não temos. Os ingleses tiveram os Beatles, mas o samba foi de uma abrangência enorme, contando com a participação de pessoas das mais variadas classes sociais. É um fenômeno que tem uma explicação na energia que vem das casas de omolokô, da tradição religiosa de base africana, que juntou o culto às almas, da gira de Preto Velho e Caboclo e vai até o culto aos orixás. Foi lá que nasceu a Portela, da energia de Seu Napoleão Nascimento, que era o pai do Natal. No Estácio, foi da energia de Tancredo da Silva, grande pai de santo de omolokô. Na Mangueira, Dona Maria da Fé estimulada por Elói Antero Dias para que criassem uma escola de samba. Antes de fundar o Império Serrano Sr. Elói fundou o Deixa Malhar, no Baixo Tijuca, onde é hoje a rua Almirante Candido Brasil. O Elói Antero Dias, que assessorava Getúlio Vargas com alguns outros país de santo, foi incentivado por Getúlio a criar uma escola de samba para competir com Paulo da Portela que tinha entrado para o partido comunista, querendo provar que o samba era um gênero musical de sociabilidade. Quem me contou esta história foi o João Saldanha quando perguntado porque ele era portelense. O Império Serrano foi uma escola sindicalista. O Salgueiro também contou com a liderança do Calça Larga e dos pais de santo para a criação da escola.
PublicidadeO samba se tornou uma grande força sem grandes estrelas. Acho importante o reconhecimento da necessidade de preservação das casas de culto omolokô, de onde partiu a energia primeira, que ainda está aí. Não se pode desassociar o aspecto religioso da preservação do samba carioca. Eu fiz uma primeira matéria sobre o assunto falando do jongo entre julho e agosto de 1975, entrevistando Vó Teresa, mãe de Fuleiro, além de haver conversado com Vovó Joana Rezadeira, mãe do Darci do Jongo. Dançavam o jongo Fuleiro, Sr. Antonio Rufino, fundador da Portela e Dona Maria. É a coroação de nossa luta.”
Neste vinte de novembro de 2021 Rubem Confete recebeu uma merecida homenagem do Armazém do Senado, que mandou pintar um mural em sua rua com a foto do nosso Griot, como reconhecimento de todo o trabalho de divulgação, preservação e luta pelo samba e sambistas de todo o país. Nada mais merecido. Em seus programas de rádio, seja na Nacional ou na Roquete Pinto, divulgou compositores, cantores e poetas deste universo, além de participar efetivamente dos desfiles, tendo representado o Dom Obá na Mangueira, o grande líder da comunidade preta carioca que, nos tempos de Dom Pedro ,era um negro livre, jornalista e descendente de rei africano, que lutava pelos direitos de seus companheiros, sendo sempre recebido pelo Imperador.
Nunca deixei de receber com alegria os convites de Zélia Confete para os encontros em sua casa, Era certeza de boa música, boa comida e excelentes companhias. Eu e todos os sambistas e jornalistas queremos sempre estar junto deste amigão, sempre sorridente, que além de compositor, escreveu no Pasquim, é radialista, além de ativista das questões afro-brasileiras. Confete foi passista na Mangueira e no Salgueiro, fez parte da Ala dos Compositores da Imperatriz Leopoldinense. Em São Paulo, anos 72/73, foi autor do enredo Uma Certa Negra Fulô vencedor do carnaval com a Escola Paulista Verde e Branco. Voltando ao Rio fundou em 1976 o IPCN – Instituto de Pesquisa de Cultura Negra. Entre 1975 e 1992 escreveu para vários jornais e revistas, começando a trabalhar na Rádio Nacional em 1980 como locutor e comentarista, além de participar como comentarista dos desfiles de carnaval nos anos de 1988 a 1990 na Rádio Globo. Em cinema foi o roteirista dos filmes de Carlos Alberto Tourinho : Partido Alto, Partideiros e Escola de Samba S/A.
Em 2003, sempre na Rádio Nacional com o programa Rio de toda gente , lançou o CD Sou raça, onde homenageia a Mangueira com o samba Manga. Tem músicas gravadas por Nei Lopes, Caetano Veloso, Wilson Simonal, Roberto Ribeiro, Nadinho da Ilha, João de Aquino e Joel Teixeira. É um dos fundadores do Centro Cultural Pequena África, tendo comandado a roda de samba que lá acontece.
Hoje, totalmente sem visão, mas com muito lucidez, tem como seu prazer maior e sentido de vida seu trabalho como radialista. Cada programa nos traz memórias perdidas no tempo sobre a comunidade preta, sua arte e sua poesia. Não se pode calar um griot, Precisamos preservar a história do samba e de seus protagonistas. Queremos ouvir Rubem Confete na Rádio Nacional, transmitindo alegria, sabedoria e muita cultura preta para a maioria da população deste país, que pouco sabe de suas origens e lutas.
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