No ano passado, o Fundo Eleitoral de R$ 2 bilhões, aprovado pelo TSE e divulgado pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, mereceu críticas duras por ter sido autorizado em plena pandemia. O principal argumento foi o de que o momento era o de se priorizar recursos para o combate à covid-19 e que, portanto, verbas para campanhas eleitorais deveriam ser contingenciadas ou redirecionadas ao enfrentamento da maior crise sanitária deste século.
Pois no epicentro da pandemia, e na condição de segundo país em número de vítimas com 540 mil mortos, o Congresso Nacional, legislando em causa própria e pegando carona na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, simplesmente ignorou a pandemia e teve o desplante de aprovar a triplicação – a triplicação, repita-se! – do valor do Fundo Eleitoral que será torrado pelos partidos para realizar suas campanhas no pleito de 2022.
O singelo argumento do relator, deputado Juscelino Filho (DEM-MA), foi o de que o Fundo tem papel importante “no exercício da democracia dos partidos”. Doações particulares, como ocorre na maioria dos países, disso nem se fala. Ora, se tem as tetas do governo, quem precisa de doação particular, não é mesmo?
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Fora os argumentos esdrúxulos dos que se diziam contrários ao aumento do Fundo mas alegam que foram “obrigados” (!) a votar a favor para garantir a aprovação da LDO, o mínimo que se pode afirmar é que suas excelências, a maioria de olho na reeleição, deu uma sonora banana para os brasileiros que tentam desesperadamente lutar para recuperar empregos perdidos, reabrir empresas fechadas ou, simplesmente, conseguir sobreviver no momento em que a fome e a miséria atingem patamares alarmantes por conta dos efeitos da pandemia.
Como dizia o Tim Maia: pode, pode tudo!
Na verdade, a triplicação do Fundo Partidário é apenas mais uma ação desprovida do mínimo de compaixão e de sensibilidade com a situação atual. E não só. Ela acompanha um rosário de atitudes que justificam plenamente as pesquisas que apontam os mais altos índices de reprovação do Congresso Nacional nas últimas décadas.
PublicidadeA aprovação da nova Lei de Improbidade Administrativa pela Câmara segue na mesma toada. Segundo o texto, que aguarda a manifestação dos senadores, é preciso comprovar o dolo, ou seja, a intenção de praticar o crime, para a punição do agente público. A simples culpa não configuraria mais a prática criminosa. Outra mudança introduzida pelo relator, o paulista Carlos Zarattini – um deputado do PT, é bom frisar -, é ainda mais perniciosa. Ela simplesmente excluiu da lei anterior os dispositivos que proibiam o nepotismo, a “carteirada” e até mesmo – pasme! – a “furada” da fila da vacina. Assim, de uma tacada só, a Câmara considerou que, se o projeto passar pelo Senado e assim for sancionado, apenas ações que gerem enriquecimento ilícito e prejuízo aos cofres públicos poderiam levar prefeitos e gestores às barras dos tribunais.
Num país em que existe uma lei que “pune” juízes com aposentadoria compulsória que lhes assegura o recebimento de proventos integrais (!), e onde ainda vige a regalia de deputados e senadores que recebem dois salários a mais a título de “auxílio-mudança” no início e no fim do mandato, mais auxílio-moradia, verba de gabinete, cota parlamentar, carro oficial, passagens aéreas – tudo fora do salário – já não espanta mais a cara de pau com que suas excelências legislam em causa própria e engordam ainda mais seus privilégios.
Preso comum não vota, mas parlamentar preso vota
No caso da aprovação da nova lei de improbidade administrativa, é bom lembrar que ela beneficia diretamente o presidente da Câmara, Arthur Lira, que, num eventual afastamento do presidente Jair Bolsonaro e do vice, general Hamilton Mourão, não poderá assumir interinamente a presidência. Isso porque, contra ele, corre no Supremo um processo por associação criminosa, corrupção passiva e ativa. Há bem pouco tempo, Lira foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro. E pela prática da “rachadinha”, ao tempo em que era deputado estadual em Alagoas.
Se for acrescido a tudo isso um fato prosaico (se não fosse trágico), de parlamentares que passam o dia na cadeia mas podem ir ao Congresso votar projetos que mudam a vida de milhões de brasileiros, aí o quadro da pouca vergonha fica completo.
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