Há duas fórmulas infalíveis para se perder uma eleição. Uma é adotar o otimismo exagerado e irresponsável do “já ganhou”. A segunda é a recusa à humildade de ir pedir votos possíveis nos redutos dos adversários. O cenário da derrota fica irreversível quando essas duas fórmulas se conjugam, criando uma mistura explosiva do “já ganhou” com “não vou me humilhar em pedir voto de quem apoia meus adversários”.
Pesquisas divulgadas no último fim de semana revelaram o impacto do auxílio-emergencial e da queda no valor dos combustíveis na diminuição da distância entre Lula e Bolsonaro. Mas alguns analistas afoitos se apressaram em desqualificar as pesquisas, em vez de considerá-las como um alerta que aponta para a necessidade de um realinhamento de estratégias.
O otimismo do “já ganhou” não mobiliza, ao contrário, acomoda forças que poderiam estar em campo na busca dos apoios fundamentais para a vitória. Aos que dizem que a certeza otimista da vitória mantém a militância firme e aguerrida, eu contesto afirmando que o “já ganhou” ajuda é a abrir o flanco para os adversários corroerem as bases de apoio do candidato favorito. O “já ganhou” tem, sim, uma grande força mobilizadora, mas mobilizadora… do adversário! É traduzido por ele como desafio a ser superado. Já vi muito candidato, por excesso de otimismo, empáfia ou arrogância, dormir vitorioso e acordar derrotado.
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As forças políticas, empresariais, religiosas, intelectuais e artísticas do Brasil concordam majoritariamente com a necessidade de varrer urgentemente do mapa tanto Jair Bolsonaro como, principalmente, o bolsonarismo, ideologia malévola que se entranhou fortemente em boa parcela do eleitorado brasileiro. Essa convicção ficou muito clara na amplitude do espectro de subscritores da “Carta aos brasileiros” lida no último dia 11 de agosto nas arcadas da Universidade de São Paulo. Essas forças, mesmo sem citar o nome do presidente, perceberam que o momento exige a superação das diferenças em torno de um objetivo comum: derrotar Bolsonaro e expulsá-lo do Palácio do Planalto. Paradoxalmente, não é esse o espírito predominante nos diversos segmentos da oposição que participam da corrida eleitoral. Parece que comungam da ideia perigosa do “cada um por si e Deus contra”. E é aí onde mora o perigo.
De novo:já se disse e se repetiu que métodos diferentes adotados pelos diversos institutos de pesquisas podem resultar em conclusões não coincidentes. O que interessa aos marqueteiros e analistas é a comparação dos resultados das pesquisas aplicadas pro um mesmo instituto, e não pelos resultados e de institutos diferentes. É como ensinam os médicos: procure se pesar sempre na mesma balança, e observe as variações do seu peso. Da mesma forma, o que que se deve observar e analisar é a evolução do desempenho de cada candidato nas pesquisas de um mesmo instituto. Sempre levando em conta que pesquisa é retrato instantâneo, sujeito a variações a partir dos movimentos e declarações dos candidatos. Por isso, não existe pesquisa absolutamente fiel ao resultado da eleição. Até porque, como ensinava Tancredo Neves, em frente à urna, eleitores não muito convictos são acometidos de uma “irreprimível vontade de trair”.
Ao mesmo tempo, é preciso tomar muito cuidado com os riscos do “sapato alto”. Para ficar num único exemplo, até agora, na campanha petista, não se tem notícia de qualquer movimento concreto na direção do eleitorado evangélico, sobretudo o neopentecostal, onde se aglutina boa parte da força bolsonarista. Pesquisa Datafolha de julho revelou que Bolsonaro conta com 43% desse eleitorado, contra 33% de Lula. A força do voto evangélico ficou demonstrada em 2018, e existem analistas que consideram que foi este voto que garantiu a vitória de Bolsonaro. Parece que ir atrás desses votos é atitude humilhante, quando significa apenas uma prova de humildade e de disposição para a luta. Descer ao chão da fábrica é nunca foi atitude humilhante para ninguém.
A diferença entre Lula e Bolsonaro, independente de estar maior ou menor a cada rodada das pesquisas, sempre foi pequena demais para a arrogância de considerar a eleição vitoriosa de véspera. A dois meses do pleito, é preciso todo dia botar o pé na poeira e ir atrás de cada voto, um por um, além de garantir os já conquistados. Eleitores mudam de posição, sim. Essa característica pode ser usada a favor ou contra. Vai depender exclusivamente da forma como cada candidato se comporta ao longo da campanha. Na história das corridas, não há notícia de qualquer atleta que tenha sido vitorioso calçando sapato alto. Nem gritando “já ganhei” ao longo da prova.
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