O atual cenário do Brasil, a despeito da pandemia e da instabilidade no mercado internacional causada pela guerra na Ucrânia, é marcado por uma forte turbulência, gerada por três graves crises: a crise democrática, a crise climática e a crise alimentar. Todas elas se retroalimentam e contribuem para tornar cada uma das outras ainda mais devastadoras. No epicentro desta turbulência está um Governo inábil e inconsequente, que com sua total falta de competência só faz instigar as três vertentes da crise, ao invés de trabalhar para aplacá-las.
A crise democrática se traduz num Governo que não governa para todos e que tem dirigido suas ações para interesses de grupos pouco republicanos – e, diga-se de passagem, muito pouco inteligentes – que olham com imediatismo e pensamento extrativista para os recursos naturais, culturais e humanos do Brasil. É uma turba preocupada em enriquecer sem produzir; sua atividade é roubar terras, derrubar madeiras, destruir solo e matar pessoas.
Para facilitar a vida de sua corja funesta, o Governo Federal desmontou órgãos nacionais de políticas públicas, como a Funai e o Incra, e acabou com os programas de ocupação sustentável por assentados e indígenas e com o manejo sustentável da produção rural focado na subsistência. Substituiu isso tudo por programas de transferência de títulos – que podem ser comercializados por e para exploradores – e pela liberação de práticas extrativistas como caça e pesca ilegais, garimpo e mineração em terras indígenas ou de proteção ambiental. E por conta desta política que privilegia interesses escusos, o país mergulhou numa crise ambiental sem precedentes, em um momento em que o mundo se volta para a busca de soluções que sustentem a vida no planeta.
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Hoje entregue ao banditismo que dá respaldo ao discurso armamentista e necrófilo do Governo Federal, o Brasil alcançou os maiores índices de desmatamento da Amazônia, cujos efeitos climáticos são conhecidos – e temidos – em todo o território nacional e no restante do mundo. Segundo dados do Iamazon, o desmatamento na região cresceu 29% em 2021, maior índice nos últimos 10 anos. Enquanto para o presidente Bolsonaro tais números não significam nada, a reação internacional a esta situação é contundente: agora no início de junho, o comissário de Meio Ambiente da União Europeia, Virginijus Sinkevicius, foi enfático ao afirmar que produtos do Mercosul ligados ao desmatamento não entrarão na Europa.
Como consequência da crise ambiental, o aumento das temperaturas trará perda de áreas cultivadas no Brasil, com efeitos danosos especialmente na produção de arroz, feijão, soja, café e milho. E o déficit hídrico impactará até a resistente cana de açúcar. Já a produção de hortaliças e frutas dependem cada vez mais da ciência e tecnologia de desenvolvimento de cultivos que possam ter a produção descentralizada do Sul e do Sudeste; mas a ciência e a tecnologia também estão sendo vilipendiadas e até a Embrapa tem sido alvo do desmonte e do desprestígio da pesquisa pública com interesse nacional.
Nas duas últimas safras, o país viu a produção de soja e de milho, os dois principais produtos nacionais, ficarem 47 milhões de toneladas abaixo do potencial de produção devido a variações climáticas. No ano passado, a seca e a geada afetaram a safra de milho. Neste ano, foram as lavouras de soja. Com a queda neste primeiro trimestre, a agropecuária, que vinha sustentando a economia nacional nos últimos anos, acumula retração de 4,8% no PIB acumulado dos últimos quatro trimestres. As perdas monetárias previstas lá em 2007 já estão ocorrendo e aceleradamente.
A ocorrência crescente de eventos climáticos extremos no país vem dificultando o planejamento dos plantios e pode diminuir em até 30% a produtividade das lavouras. O preço que os brasileiros pagam por isso é o aumento do custo do alimento, por sua escassez ou pelo aumento dos valores das medidas adaptativas para as lavouras frente ao déficit hídrico, aumento de temperaturas ou excesso de chuvas. O resultado é a fome e a insegurança alimentar.
E quando o povo passa fome, o controle governamental e a sensação de insegurança aumenta, levando a uma percepção de irrelevância tanto do poder público quanto da democracia. A solução imediatista por nossas próprias mãos para a sobrevivência aumenta o apoio a medidas antidemocráticas, instalando esse ciclo vicioso.
Sim, temos pandemia e guerra no mundo com impacto nas demandas e disponibilidades de petróleo, insumos agrícolas e comida. Mas uma casa arrumada com políticas públicas voltadas para a produtividade e pensadas dentro de uma matriz de sustentabilidade podem quebrar esse ciclo, trazer prosperidade econômica, justiça social e um meio ambiente equilibrado. Basta, para isso, o mínimo de competência, comprometimento e vontade política. Que saibamos romper esse ciclo em outubro.
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