Medo é uma emoção de baixa frequência, segundo os estudos do psiquiatra David Hawkins. Sua hipótese partiu da noção de que tudo possui uma assinatura vibracional, que pode ser medida em ondas de Hertz (Hz). O corpo humano também emite ondas eletromagnéticas, produzindo um campo vibracional, que fica em volta do corpo físico. E há uma constante lei de atração entre as frequências emanadas pelo corpo e as frequências do entorno – atraímos aquilo que sentimos.
Pessoas com medo atraem líderes autoritários, raivosos, com soluções mágicas para problemas difíceis. Esses líderes conquistam seguidores pelo carisma e mantém seguidores pelo medo. Medo atrai medo.
A expressão alemã Zeitgeist não encontra uma tradução perfeita, mas chega-se perto com a noção do espírito do tempo. O espírito do tempo se refere ao conjunto de ideias, normas sociais, tendências culturais, crenças que caracterizam um determinado período histórico. Ou, nos termos que começamos esse artigo, o espírito do tempo reflete e refrata uma vibração coletiva. A ideia chave é que esse grande substrato imersivo, o Zeitgeist, acaba influenciando as formas de pensar e sentir das pessoas em determinada época e, por conseguinte, afeta a arte, a ciência, a cultura e a política de cada época.
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O espírito do tempo é determinado por uma ampla gama de fatores, incluindo avanços tecnológicos, mudanças socioeconômicas, eventos históricos significativos e mudanças nas formas de comunicação e interação.
Portanto, qual é o espírito do tempo agora, do nosso presente? Pretendemos sugerir que vivemos em um tempo marcado por grandes, intensas e multifacetadas fobias, um espírito de medo.
O final do séc. XX trouxe uma série de mudanças e, junto com elas, uma própria aceleração da mudança. Sempre que isso acontece, produz-se uma multidão de deslocados, aqueles assentados em ritmos de vida tradicionais, cuja incapacidade de se integrar ao comboio em andamento acaba se traduzindo em um sentimento de impotência.
PublicidadeA transformação nas comunicações, com o advento da internet e dos telefones celulares, seguida em pouco tempo pelos smartphones e a onipresença da internet, colocou tudo na dimensão do instantâneo. A disponibilidade de viagens áreas internacionais para massas cada vez mais crescentes confirmou, espacialmente, a noção de que a Terra, na verdade, era uma aldeia. Os sucessivos prodígios em termos de capacidade computacional, cujo corolário é a ascensão da IA nos dois últimos anos, deixam as pessoas atordoadas. Então há juízes que pedem sentenças à IA? Sim. Há médicos que recorrem ao diagnóstico e às sugestões de prognóstico de uma IA? Sim. Não existem mais seres humanos capazes de derrotar a IA em um jogo de xadrez? Não, não existem.
As conexões globais, da tão propalada globalização, com suas ondas de choque que varrem o planeta inteiro quase que de imediato, surpreendem. De onde veio isso? É a pergunta legítima de muitos que não conseguem compreender porque devem se preocupar com o bater de asas de borboletas do Caribe. Já os problemas globais complexos, como aquecimento global, crises migratórias, desemprego estrutural de longo prazo, zombam das pequenas soberanias, incapazes de propor soluções minimamente à altura.
A transição para a pós-modernidade, quando a maior parte da humanidade ainda se adaptava à plena emergência da modernidade, é uma disrupção dolorosa. A heterogenia crescente das populações nos coloca diuturnamente em face daquilo que consideramos estranho, ou no mínimo diferente, o que requer de nós doses crescentes de empatia – essa capacidade, segundo Freud, de entender a existência de um ponto de vista que não é o meu. A explosão cultural que se seguiu à liberdade desejada pela juventude dos anos 1960 – estava correto Zuenir Ventura ao afirmar que 1968 não terminou – traz para alguns a perspectiva do imobilismo ou de uma dolorosa transição. Para outros, cria inimigos a serem ferozmente combatidos.
Diante de tudo isso, muitas pessoas, particularmente aquelas com viés mais conservador, passaram a se sentir intensamente ameaçadas. Instala-se um senso de crise catastrófica, para além do alcance das soluções tradicionais. Ameaças intensas, por sua vez, despertam obsessões, como a preocupação exagerada com a decadência, a perda de prestígio, de renda…
Resumindo: o medo se espalha. As pessoas sentem medo e as suas vibrações atraem mais medo. O ciclo vicioso se instala. Qualquer coisa vale para diminuir o medo. Inclusive a perda de direitos políticos, a instalação de uma ditadura, pois, aquele líder heroico, que sabe se apresentar na hora certa e com as palavras certas, tem a solução. O líder é superior ao emaranhado técnico de análises de custo e benefício, impacto social, consequências inesperadas, enfim, o líder está acima dos procedimentos da razão, com suas chatices típicas.
O Zeitgeist cria um espaço político. Os líderes autoritários correm para preenchê-lo. Demagogos, populistas, ufanistas, toda uma série de perfis acaba se encaixando, atuando para aquele povo medroso, carregando consigo as projeções psíquicas de multidões que acreditam naquele cavaleiro que conseguirá tirar a espada da pedra e metê-la no coração do dragão.
Nos últimos anos, a direita e a extrema-direita souberam se aproveitar melhor do espírito do tempo, criando narrativas que reforçam a noção dupla: vocês devem ficar com medo sim, pois o que há é muito perigoso mas deixem com a gente que vamos resolver. As pessoas acreditam. E seguem depositando seus medos em altares profanos.
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