Um dos temas do momento são os riscos de flutuação nos recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Esses riscos decorreriam de possíveis alterações na regulamentação do ICMS e isenções ao diesel. É mais uma crônica de morte anunciada e aponta para falhas estruturais na arquitetura do Fundeb.
A morte foi anunciada em dois seminários (ver aqui e aqui) promovidos em 2020 pela Câmara dos Deputados por iniciativa do Deputado Gastão Vieira, cujas contribuições foram ignoradas na correria para aprovar o “novo Fundeb”, no final daquele ano.
Comecemos pelo fato do momento: a flutuação na arrecadação de impostos afeta imediatamente os recursos do Fundeb. Se houver redução significativa, pode sufocar estados e municípios, pois os gastos fixos da educação são elevados. Muitos deles, especialmente municípios menores, são quase que totalmente dependentes do Fundeb.
O problema não está na arrecadação: qualquer estudante de 1º ano de economia sabe que receitas tendem a flutuar. O problema está nos lobistas, oportunistas e legisladores que, ao aprovar a transformação do Fundeb em fundo permanente, no apagar das luzes de 2020, se esqueceram dessa lição elementar. O Fundeb é um fundo pró-cíclico quando deveria ser anti-cíclico, de maneira a se prevenir de chuvas e trovoadas e acumular reservas para compensar flutuações. Os supostos especialistas em educação que assessoraram os parlamentares não fizeram o dever de casa. E o Ministério da Economia não se mobilizou de forma adequada e competente para tratar do assunto, mesmo porque considera a educação como “área social”.
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Isso significa que em 2022 poderemos ter aperto orçamentário na educação. É possível que ocorra. Mas dificilmente estados e municípios deixarão de cumprir seus compromissos com os professores, pois, na maioria deles, os recursos estão comprometidos com despesas fixas. E, infelizmente, em muitos deles praticamente todos os recursos são gastos com pessoal. Se vincular recursos já é um problema em potencial, subvincular é um problema real, cujas consequências perversas são fáceis de antecipar – como o presente caso dos combustíveis. E a gritaria logo surge, naturalmente.
Por outro lado, sempre que há excedente, este não pode ser guardado para anos de vacas magras. Ao contrário, é distribuído generosamente entre os funcionários como se fossem benesses – sem qualquer vinculação a mérito ou resultados.
PublicidadeOnde está o problema?
O problema se encontra no Congresso Nacional. A solução também. Tudo decorre do açodamento na aprovação e constitucionalização do Fundeb no final de 2020, que, inclusive, foi transformado num fundo permanente e entronizado no altar da Constituição Federal. E tudo isso ocorre depois de dois anos em que, dadas as restrições da gastança durante a Pandemia, inúmeros redes de ensino “torraram” os recursos do Fundeb para não ferir a legislação. Ninguém reclamou, é claro. Da mesma forma como ninguém reclamou dos mais de 90 bilhões que o governo federal (leia-se: contribuinte) está pagando como precatórios a alguns municípios que foram “vítimas” de um erro de interpretação da também complexa legislação do antigo Fundef. Ganha um prêmio de um milhão de dólares quem demonstrar o uso judicioso e o impacto positivo de qualquer parcela desses 90 bi nos indicadores educacionais de qualquer município que os recebeu.
O leitor atento já deve ter percebido aonde queremos chegar: se há virtudes no FUNDEB, também há distorções. E quanto antes forem corrigidas, melhor para a economia do país e para o contribuinte. E, quem sabe, para a educação.
A “segunda revisão” da Lei do Fundeb deve ocorrer entre agosto e setembro deste ano eleitoral. Talvez não seja o momento ideal para qualquer tentativa de aprimorar o monstrengo, mas, como deverá ocorrer, ficam algumas sugestões.
O que vai ocorrer no curto prazo, se foram aprovadas as medidas relativas aos impostos sobre o diesel, ninguém sabe – nem se consegue estimar com precisão o possível impacto na arrecadação. Se a legislação for aprovada, e ainda que afete temporariamente as finanças de muitos estados e municípios, dificilmente impedirá os municípios sérios de cumprir seus compromissos e proteger a educação de eventuais danos. Esta não é a questão principal.
Necessário é realizar uma análise profunda do Fundeb– que não foi feita quando da aprovação de sua transformação em fundo permanente com status constitucional. Na próxima oportunidade de rediscutir a legislação do Fundeb, o país ganharia muito se o parlamento se dispusesse a promover um debate amplo e competente sobre os diversos aspectos da questão, visando aprimorar o instrumento.
De modo especial, os estudos mencionados contêm importantes sugestões que podem contribuir para aumentar significativamente o efeito redistributivo do Fundo, como criar apenas um fundo a ser redistribuído igualmente entre os municípios; criar regras para limitar o impacto de flutuações bruscas e estabelecer um fundo para assegurar recursos em anos de vagas magras; retirar a obrigatoriedade de gastar os recursos dentro do ano fiscal, se não forem necessários ou se não puderem ser usados de maneira prudente; eliminar as vinculações, que se prestam muito mais a distorções do que a garantir o pagamento dos salários do pessoal; e simplificar drasticamente as regras, de maneira a facilitar o entendimento e reduzir as chances de contenciosos bilionários, como já ocorreu no passado.
É pouco provável que haja espaço para uma discussão séria e adequada na antevéspera das eleições. Mas fica o registro, para quando surgir a oportunidade.
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