É patética a insistência de Bolsonaro e de seus apoiadores de tentarem emplacar a narrativa criminosa de que combater autores e disseminadores de fake news compromete a liberdade de expressão. Sabidamente eleito com apoio de um mega esquema de criação, disseminação, financiamento e impulsionamento de informações falsas, o esquema Bolsonaro comete agora um crime adicional, além dos já praticados e que estão sob investigação judicial.
No ano passado criei e ministrei na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília a disciplina “Jornalismo e Fake News”, tentativa de, pela primeira vez, no âmbito acadêmico, enfrentar o fenômeno midiático mais importante deste século. O curso foi ministrado na forma de aulas e palestras de especialistas de Filosofia a Direito, passando por História, Psicologia, Informática e Marketing Político. Restou evidente que a prática da criação e difusão de informações falsas por meio das redes sociais, pelos danos diretos e indiretos que causa, é problema de extrema gravidade com efeitos devastadores à ordem democrática e risco à própria vida, quando envolve questões relacionadas à saúde pública.
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Provas concretas agora são virtuais
Na tradição do direito brasileiro, acostumamo-nos a exigir provas “concretas”. Mas ainda hesitamos diante de uma nova realidade, segundo a qual provas “concretas” de crimes cibernéticos são virtuais. Falta-lhes a “concretude” de um documento impresso ou de uma impressão digital encontrada na cena do crime, por exemplo. Por isso, diversos analistas duvidam do sucesso de uma ação de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por terem se beneficiado de informações falsas. Segundo eles, ainda não estamos maduros para isso.
Mas o envolvimento direto do clã Bolsonaro no esquema criminoso das fake news fica mais evidente a cada dia. Não fosse assim, a justiça não estaria na cola dos blogueiros, youtubers, ativistas radicais e parlamentares bolsonaristas, além de seus financiadores. Muitos deles, alvos de ações de busca e apreensão com celulares e computadores confiscados, sigilo fiscal quebrado e até a retirada de páginas e perfis nas redes sociais. As próprias plataformas como Facebook e Whatsapp vêm banindo contas e perfis de ativistas bolsonaristas que comprovadamente praticaram atos antidemocráticos e/ou atacaram instituições como o Congresso e o STF. Impedir o prosseguimento dessas ações criminosas nada tem a ver com o comprometimento à liberdade de expressão. Mas, sim, visam a proteção da integridade e da honra de pessoas e instituições.
PublicidadeLiberdade religiosa e falsa informação
No plano religioso a difusão de fake news num momento de pandemia põe em risco a própria vida. Religiosos bolsonaristas como o pastor César Augusto, da Associação Fé Perfeita, minimizam a pandemia e divulgam pelas redes sociais histórias de curas mirabolantes com meizinhas caseiras, tirando o foco de ações de eficácia científica. A atuação desses pastores é protegida pela liberdade religiosa prevista na própria Constituição. Mas ultrapassam as fronteiras da fé, e precisam ser contidas. O pastor bolsonarista Silas Malafaia disseminou a falsa informação de que autoridades científicas teriam confirmado que só as cidades acima de mil habitantes deviam respeitar o distanciamento social. Mentira perigosíssima para moradores de localidades menores. Outro pastor, o gaúcho Sílvio Ribeiro, virou caso de polícia por prometer um “óleo consagrado para imunizar contra qualquer tipo de pandemia, vírus ou doença”. Combater a difusão de fake news com objetivos político-ideológicos-eleitorais-religiosos não tem nada a ver com restringir a liberdade de expressão, mas apenas combater o charlatanismo, o oportunismo político e a prática de crimes como injúria, calúnia e difamação contra pessoas e instituições, que fazem parte do dia a dia de Bolsonaro e de sua tropa de apoiadores.
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