O Brasil nunca teve um Ministro da Economia (ou Fazenda?) comprometido com a formação de capital humano. Dois chegaram perto, na década de 70. O primeiro foi Mário Henrique Simonsen, que foi sensibilizado pelo então emergente tema da Teoria do Capital Humano, por Carlos Geraldo Langoni, que bebeu na fonte de Theodore Schultz. Daí surgiu o Mobral, um programa nacional de alfabetização de adultos. Outra iniciativa mais bem sucedida foi capitaneada por João Paulo dos Reis Velloso à frente do Ministério do Planejamento, e que criou as bases do nosso sistema de Ciência e Tecnologia através da ação do FNDCT – o Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia –, operado pelo então BNDES, e a FINEP – criada especificamente para esse fim.
Agora é a vez de Haddad. Ele tem uma chance única para mudar o rumo da história da educação no Brasil. Eis as razões.
A Teoria do Capital Humano evoluiu. Há correlação entre anos de escolaridade e PIB, mas é fraca; mais forte é a correlação entre conhecimento e PIB, por exemplo, comparando o desempenho dos países no PISA. Na primeira, o Brasil se sai bem; na segunda, muito mal. Estudos mais recentes mostram correlação forte entre ritmo de crescimento econômico e nível atingido pelos alunos mais brilhantes – a tal “massa crítica”. Nesse quesito, o Brasil se sai terrivelmente mal.
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Mas tem mais: educação tem duas funções: dar condições ao indivíduo para desenvolver o seu potencial e para contribuir produtivamente na sociedade. Falhamos nas duas. Há pelo menos 4 décadas, a produtividade brasileira se encontra estagnada e é 5 vezes menor do que a de um norte-americano. Caímos na armadilha das baixas habilidades, que, para nós, se transformou em um círculo vicioso. A explosão das matrículas e vagas não vem gerando capital humano capaz de impulsionar o desenvolvimento.
O Ministro Haddad possui qualificação inigualável para empreender esta tarefa: foi Ministro da Educação, conhece os problemas da área e a total inadequação da estrutura e do modo de funcionamento do MEC para cumprir a sua função. Foi Prefeito Municipal e sabe das dificuldades para melhorar a educação. O desempenho da educação municipal em São Paulo é fraquíssimo – apesar dos ilustres prefeitos e secretários que por lá passaram. Como prefeito, também teve oportunidade de aprender sobre a inadequação das políticas educacionais feitas em Brasília para promover mudanças na educação municipal. Se o prefeito de São Paulo tem dificuldades para melhorar a educação, alguém em Brasília saberia fazê-lo melhor? Além disso, o Ministro Haddad foi professor de universidade pública e privada, conhece a fundo o sistema universitário brasileiro e suas mazelas. E tem outras qualidades. Tem respeito pelos dados e pelas evidências. Sabe ouvir e dialogar com pessoas das quais discorda. Sabe que, em matéria de educação, o Brasil se encontra no fundo do poço. E, a menos de um mês do início, o novo governo não tem uma proposta para a educação.
Eis algumas ideias para iniciar uma política de formação de capital humano sob a liderança do Ministério da Economia.
PublicidadeFinanciamento da educação básica. O assunto é FUNDEB – o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica. Com ou sem reforma tributária, há diversas medidas que contribuiriam para avançar as causas da equidade e da eficiência no financiamento da educação básica. Uma delas seria mudar a regra do jogo e dividir o total de recursos de forma que todo aluno de escola pública recebesse o mesmo valor do FUNDEB, independentemente da UF em que vivesse. Ou seja: elevar e equalizar o valor do mínimo nacional. Na verdade, trata-se apenas de corrigir uma injustiça histórica do nosso atual sistema de redistribuição dos impostos. O Ministro poderia ser ainda mais assertivo se vinculasse os recursos à população em idade escolar, ao invés de vincular ao número de alunos, pois isso reforça a ineficiência. Apenas para dar a dimensão desse rombo: em 2019, foram reprovados 2,1 milhões de alunos. A um custo médio de 7 mil reais por aluno, isso significa um desperdício anual de 15 bilhões de reais, 10% do valor total do FUNDEB.
Também poderia criar mecanismos que protegessem o FUNDEB de anos de vacas magras e evitasse a gastança em anos de abundância. Trata-se de criar mecanismos anticíclicos. A terceira ideia – e não menos importante – seria desvincular os recursos – o que se torna tão mais imperativo em função das mudanças demográficas: se há menos alunos, não há razão para manter a maior parte dos recursos vinculada a salários. Há várias outras medidas, inclusive a imperiosa necessidade de simplificar a legislação e sua linguagem.
Ensino médio profissional. No século XXI, a formação profissional do trabalhador se faz no ensino médio. Na maioria dos países desenvolvidos, o ensino médio profissional é oferecido em instituições especializadas. Aqui é (mal) pensado como um acessório para ensinar “disciplinas profissionalizantes”, estruturado a partir de mirabolantes “itinerários formativos”, e implementado em “puxadinhos” e contraturnos de faz de conta. Nos países em que a educação profissional é levada a sério, há certificações – inclusive exames específicos de final de curso – que dão acesso a universidades e cursos técnicos de ensino superior. Esses são os países que tendem a ir bem economicamente – e muito bem na educação. O Ministro Haddad sabe que as escolas técnicas federais – de elevado custo – não formam técnicos para o mercado de trabalho. Também já “enfrentou” o Sistema S e sabe que, com políticas adequadas, as escolas do SESI, SENAI e dos demais Ss têm capacidade e grande parte dos recursos necessários para se transformarem nos principais provedores de ensino médio profissional em moldes adequados ao século XXI e às demandas do nosso setor produtivo. E isso, claro, poderia vingar com relativa facilidade mediante pequenas alterações na legislação do ensino médio e, novamente, no FUNDEB, que poderia complementar recursos para a provisão do ensino médio profissional pelos que entendem do assunto.
Há muitas outras iniciativas que cabem na missão do Ministério da Economia. Uma delas seria aprimorar a lei do Primeiro Emprego – que sempre fica engasgada entre o desejo de dar uma oportunidade de trabalho aos jovens e as regras que desestimulam o empregador de engajar-se nesses programas. Se é para ensinar a trabalhar de verdade, é preciso estimular e deixar o empregador cuidar disso – ao invés de querer tolhê-lo e tutelá-lo com regras inexequíveis.
Um Ministério da Economia também deveria se sentir responsável por articular e promover a necessária reforma do sistema de ensino superior – já existem estudos prontos, relativamente atualizados, com boas ideias e diretrizes claras a respeito dos caminhos a seguir. Essa é a base necessária para liberar nossas instituições de ensino superior de excelência para sair do faz de conta das avaliações do MEC, competir a nível internacional e contribuir para promover o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia.
Em 2040, o Brasil já estará vivendo uma nova fase demográfica, com um desequilíbrio entre a população jovem, em baixa, e a população idosa, em alta. O idoso de amanhã é o homem de meia-idade de hoje. Na Coreia do Sul, podemos aprender tudo que é necessário a respeito de como nos preparar para esse desafio gigantesco e com importantes implicações para as contas da previdência social e da saúde, mas também da produtividade. E, diferentemente das crianças, idoso vota.
Finalmente, a cereja do bolo. Ninguém melhor do que o Ministro da Economia para promover uma vigorosa política de Primeira Infância – que nada ou pouco tem a ver com creches. Tem a ver com renda mínima, programas sociais focalizados e com condicionalidades relevantes, segurança alimentar, protocolos vigorosos e atendimento prioritário garantido para o período de gestação e pós-natal, licença-maternidade ampliada, infraestrutura e saneamento básico. Enfim, uma série de medidas que poderiam ser promovidas com base em orientações cientificamente fundamentadas e mecanismos de incentivo para as prefeituras.
Estão aí exemplos de algumas medidas que, se contarem com a cabeça e com o braço forte de um Ministério da Economia, poderiam constituir o pontapé inicial de uma verdadeira política de formação de capital humano para promover o desenvolvimento do país e melhorar a condição de vida dos brasileiros. Com isso, seriam necessárias menos Bolsas e teríamos mais dinheiro nos bolsos e nas Bolsas.
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