Durante a última campanha eleitoral para presidente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se notabilizou pela retórica liberal impactante, recheada de metáforas, a ressaltar o poder quase divino do mercado de promover crescimento e equilíbrio econômico. E destacava “a lentidão, ineficiência e as inconvenientes intervenções do Estado”. Dentre as muitas afirmações de Guedes, a suscitar curiosidade e até interesse entre aqueles que defendem o municipalismo brasileiro, estava a expressão “Mais Brasil e Menos Brasília”. Essa mensagem sinalizava, na interpretação dos otimistas, para uma reversão do pacto federativo com decorrente desconcentração dos recursos públicos.
Tal discurso soava como música para os ouvidos do municipalismo que tem assistido, ao longo das últimas décadas, a um aumento progressivo dos gastos próprios dos municípios e estados com saúde, educação e assistência social, com o aumento significativo da concentração de receitas na esfera federal. Entretanto, após dois anos e cinco meses de governo – mais da metade do mandato– nada mudou. Na realidade, o cenário se agravou, como em tantas outras áreas. A lógica de concentração das receitas na esfera federal segue intocável, enquanto as transferências voluntárias têm caído e a cultura de investimentos públicos estaduais e municipais em parceria com a União –seja por repasses federais diretos com contrapartidas locais ou por financiamento de bancos nacionais– deixaram de ser priorizadas.
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Além disso, houve uma redução drástica no número de novas obras pelo atual governo federal, dentro desse regime de parcerias com estados e municípios, nas mais diversas áreas sociais, como saneamento, educação, saúde, habitação e mobilidade urbana. A única exceção à regra, até mesmo para justificá-la, foi o repasse federal emergencial e temporário para recomposição de perdas de FPM no ano passado que, diga-se, foi interrompido neste ano. Para completar, não se tem visto, como em outros ciclos de gestão federal, proativismo do governo em formular e conduzir novas políticas públicas nacionais que respondam às tantas necessidades do povo brasileiro.
A consequência tem sido um baixíssimo nível de investimento público, fundamental para promover crescimento econômico. De acordo com o projeto da Lei Orçamentária Anual, apresentado pelo próprio governo federal, esse investimento seria equivalente a apenas 0,3% do PIB, um dos mais baixos da história. Entretanto, com os cortes orçamentários promovidos e as históricas dificuldades de execução, é bem possível que fique lamentavelmente em torno de 0,1% do PIB. Bom lembrar que a já extremamente baixa média da última década foi de 0,5% do PIB ao ano.
O cenário econômico e social do País é desolador. Pelos dados acumulados no primeiro trimestre de 2021, 14,7% da população economicamente ativa do País está desempregada: quase 15 milhões de brasileiros buscam um emprego e digna sobrevivência. Some-se a isso quase 34 milhões de outros brasileiros na informalidade, além dos mais de 60 milhões de brasileiros com nomes sujos na praça. Isso trouxe repercussões graves à economia das cidades e tem o potencial de produzir uma séria queda das receitas públicas necessárias para financiar os investimentos e as mais diversas ações sociais de responsabilidade municipal. As consequências do empobrecimento popular recaem diretamente nas prefeituras, que a cada dia perdem mais recursos, pois crescem as demandas por mais vagas em escolas públicas, creches, saúde, subsídio nos transportes.
A crença equivocada de que as tais reformas realizadas, trabalhista e previdenciária, seriam suficientes para alavancar o crescimento econômico caiu por terra: o Brasil empobrece e segue sem sinais de retomada. A ilusão do caminho do progresso pelas tais reformas continua sendo propagada e, agora, se apresenta uma discussão de reforma tributária, que além de não mexer no essencial, ainda pode trazer um complicador para continuar acumulando em Brasília, e não nas unidades federadas, o poder político e os recursos. Apesar da retórica do ministro, a realidade é que, no lugar de “Mais Brasil e Menos Brasília, temos vivido “Cada Vez Mais Brasília”.
PublicidadeA proposta de reforma tributária está em discussão em Comissão Mista do Congresso Nacional, sem sinais de mudanças estruturais para produzir mais progressividade dos impostos no Brasil. Por exemplo, se eventualmente acontecesse uma modificação no sistema de tributação sobre renda e propriedade buscando justiça fiscal, isso alcançaria os mais ricos e poderia promover mais redistribuição, menos desigualdade e mais oportunidades para a população mais pobre.
Além disso, há uma justa argumentação sobre a necessidade de simplificar o sistema tributário, inclusive com a possível unificação de tributos. Entretanto, dependendo de como for produzida, causará uma limitação da autonomia dos municípios sob o Imposto Sobre Serviços (ISS), importante instrumento municipal para o planejamento urbano e a promoção do desenvolvimento econômico local.
Isso acontece em um cenário crítico: o Brasil soma cerca de meio milhão de mortos pela covid-19, com uma média móvel diária superior a 1.800 óbitos pela doença. Sequer há previsão para a vacinação de toda a população. Além da grave situação sanitária, isso produz incertezas enormes para a retomada econômica. Não fora a extraordinária seriedade desse fato em si, há uma incapacidade do Ministério da Economia em criar um cenário favorável ao crescimento econômico. O contrário foi o produzido pelo governo até aqui: uma tentativa de desmantelamento do estado brasileiro e o enfraquecimento do pacto federativo, condições básicas para o progresso nacional.
O que está colocado até aqui são cada vez menos oportunidades para a maioria dos brasileiros e, principalmente, para aqueles das regiões mais carentes. O cenário produzido pelo governo federal é simplesmente “Cada Vez Menos Brasil”.
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