Jocinéia Zanardini*
Nos últimos dias, foram apresentados ao Senado Federal seis projetos de lei com o objetivo de criar um tipo penal específico para quem furar a fila da vacinação contra o coronavírus. Para ser aprovado e, de fato, vir a se tornar lei, qualquer um destes projetos deverá passar por um processo de votação habitualmente demorado, que não será resolvido em alguns dias ou poucas semanas.
E é aí que entra a questão principal: será que quando algum destes projetos for de fato aprovado a lei já não será desnecessária para o momento em que estaremos? Quem sabe, quando houver essa aprovação, uma boa parcela da população já tenha sido vacinada? Neste caso, uma lei tão específica pode se tornar letra morta na nossa legislação, perdendo totalmente o valor.
Por isso, é importante lembrarmos que já é possível punir nas esferas penal, civil e administrativa o funcionário público ou mesmo o cidadão, o chamado “fura-fila”, independentemente da criação de uma lei específica para isso. Desviar algo que é um bem público é um crime previsto no código penal, chamado de peculato desvio. O infrator, além de pagar multa penal, está sujeito à pena de até 12 anos de reclusão em regime fechado. Embora seja este um crime específico de funcionário público, nesta questão, em particular, o “fura-fila” também responde pelo desvio do bem. Isso acontece porque, quando o beneficiário tem conhecimento da condição do agente ou do servidor público, essa circunstância se comunica.
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Os servidores públicos também ficam sujeitos às penalidades administrativas e podem perder a função ou o cargo público, além de responder a processo disciplinar interno. Se o prefeito ou o secretário de saúde de um município furam a fila ou mesmo facilitam para que familiares e amigos o façam, poderão responder também por outros crimes relacionados à função que exercem, como, por exemplo, o de abuso de autoridade.
Na esfera cível, quando há este desvio das doses, o funcionário público e a pessoa física, que recebeu a dose da vacina, respondem a uma ação de improbidade, cujas consequências previstas são: ressarcimento do valor total das doses desviadas, pagamento de multa, ter os direitos políticos suspensos e ser proibido de contratar serviços ou de receber qualquer tipo de benefício do poder público.
Além de antiética e de demonstrar uma grande falta de cidadania e de respeito com a coletividade, furar a fila é uma conduta condenável do ponto de vista jurídico e que precisa ser denunciada ao Ministério Público, órgão responsável por apurar e tomar as medidas legais cabíveis.
*Jocinéia Zanardini é advogada, bacharel em Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná e especialista em Direito Contemporâneo pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Há 10 anos, é procuradora-municipal em Campo Largo (PR) e, desde 2008, está à frente do escritório Zanardini Advogados. Presidente de honra da Câmara de Comércio Exterior Brasil Panamá (CCOMEXBP).
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