Avançamos muito pouco nos últimos anos, de acordo com o Pisa e a Prova Brasil, e esses avanços estão acontecendo num ritmo cada vez menor. Vamos continuar fazendo mais do mesmo e patinando, enquanto a maioria dos países avança numa velocidade bem maior? Ou vamos ousar fazer diferente dos “consensos” na área e aproveitar a eleição do bicentenário para trilhar novos rumos, baseados em evidências e boas experiências, para que a educação pública passe a contribuir efetivamente para o desenvolvimento econômico com inclusão social?
Existe um grande consenso no país a respeito da educação. Curiosamente pessoas e instituições que se definem no campo liberal comungam desse consenso.
A explicação mais simples e talvez correta é que quando tratamos de educação, no Brasil, estamos falando de educação “para os outros” – nossos filhos e netos frequentam escolas privadas ou se beneficiam do ensino superior gratuito das universidades públicas. Correto ou não, esse grande consenso promove políticas que não vêm contribuindo para melhorar a educação no país – do que tanto carece a nossa economia e a nossa sociedade.
A encruzilhada em que se encontra a educação também se coloca perante o leitor: vamos continuar na mesmice ou trilhar novos rumos para a educação nacional?
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Este é o tema de um relatório que acaba de ser publicado pelo Instituto Alfa e Beto.
Comecemos por entender o “grande consenso”. Ele se reflete de forma nítida no Congresso Nacional. Estranhamente quase todas as grandes votações sobre educação nas últimas duas décadas vêm sendo decididas por unanimidade – o que raramente ocorre em qualquer outra votação. Isso é, no mínimo, algo estranho. Esse tipo de consenso é o que levou à aprovação de iniciativas como o Plano Nacional de Educação, à constitucionalização do FUNDEB – o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e todas as suas amarrações e subvinculações e, em escala pouco menor, à aprovação da reforma do Ensino Médio. Esse consenso também levou à constituição de movimentos que, como fruto de seu poder de pressão, acabaram sendo “terceirizados” pelo Ministério da Educação para conduzir os ruidosos debates, o documento e os movimentos que levaram à aprovação da BNCC – a Base Nacional Curricular Comum. E esse grande consenso agora se prepara para fazer aprovar no Congresso Nacional a constituição de um “Sistema Nacional de Educação”. E que ainda tem como uma de suas grandes prioridades a instalação do 5G em todas as escolas. E certamente depois tem mais, mais e mais.
Uma possível explicação para o elevado grau de consenso é o fato de se basear na ideia do “mais”: mais recursos, mais titulação, mais escolas, mais vagas, mais internet, mais tudo. É fácil aglutinar interesses quando – pelo menos aparentemente – todos ganham e aparentemente – ninguém perde – apenas os cofres públicos. Mas trata-se de uma ilusão, os que dependem da escola pública pagam o preço de políticas inadequadas.
A realidade e os resultados dos alunos na Prova Brasil e no ENEM não materializam as expectativas do grande consenso. O Plano Nacional da Educação aprovado em 2014 é um de vários planos nacionais. Nem este, nem os planos anteriores, deram em nada. E se todas as metas do atual plano fossem alcançadas isso não causaria melhorias importantes no ensino – pois as metas referem-se eminentemente à satisfação de interesses corporativos, aumento de salários ou aumento de exigência se critérios formais, anos de escolaridade e “conquistas” do gênero. Mais, mais e mais. A cumprir todas as metas, seria necessário investir mais de 15% do PIB em educação. Tudo isso é aprovado com grandes aplausos e apoio, inclusive de grandes ONGS financiadas por fortes grupos empresariais.
A Base Nacional Curricular Comum, também fruto de um gigantesco consenso, constitui um documento no mínimo problemático. Basta compará-la com currículos de países desenvolvidos para observar que se trata de algo sui-generis, tanto pelo processo como foi elaborada quanto pelo documento resultante, com sua linguagem empolada e incompreensível, totalmente inadequado ao público-alvo a que se dirige.
Outro exemplo é a reforma do ensino médio, que não sai do papel cinco anos depois de aprovada. Apesar das boas intenções, a legislação aprovada não conseguiu se livrar do preconceito dominante contra o ensino médio técnico, deixando-o atrelado ao ensino formal. A falta de definições quanto ao ENEM também impediu o avanço da necessária diversificação de currículos acadêmicos.
Os recursos para a educação básica quase dobraram nos últimos vinte anos e, nos municípios mais pobres, o aumento foi de 4 a 5 vezes. E por aí vai.
Os resultados, por sua vez, continuam medíocres, em todos os níveis. Ao final do ensino médio, quando termina a escolaridade formal, temos um elevado nível de deserção. E os que concluem sabem muito pouco. Quando comparamos nossos resultados com o de outros países, estamos mais próximos dos países da África do que dos países da Europa.
Os nossos melhores alunos – os 10% melhores – situam-se abaixo da média dos alunos de um país europeu. Os nossos professores são recrutados entre os 50% alunos com piores notas no ENEM. Raras são as redes de ensino que produzem resultados superiores ao que seria de se esperar com base no nível socioeconômico dos alunos, ou seja, é baixíssimo o valor agregado. Trata- se de um sistema caro, medíocre, perverso e que amplia as desigualdades sociais.
Ao mesmo tempo o país se encontra diante de uma janela de oportunidade que está prestes a se fechar: a população que demanda escolas está diminuindo. Passamos de coortes de 3,5 milhões no início do século para 2,7 milhões atualmente, e, pelas projeções do IBGE, deveremos chegar a 2,1 milhões nos próximos 40 anos. Isso significa menos alunos, necessidade de menos escolas e de menos professores.
Ao mesmo tempo um contingente expressivo – quase metade – dos professores que poderá se aposentar nos próximos anos. Se foram repostos por professores do mesmo nível, vamos congelar os problemas atuais por mais quarenta anos. Esta poderia ser uma oportunidade para o país repensar suas políticas educacionais a partir do seu componente mais valioso – o professor. Essa grande redução demográfica que se encerra nesses próximos 5 a 10 anos também seria uma oportunidade para repensar questões de infraestrutura e divisão de trabalho entre duas redes estaduais e municipais de ensino, que contribuem para aumentar as ineficiências do setor. Se combinadas com políticas diferenciadas para contemplar as características de municípios pequenos, médio e grandes essas duas variáveis poderiam abrir o caminho para implantar novas escolas com nova estrutura, regras de funcionamento e, sobretudo, professores com melhores condições.
Mas isso não basta – são ações estruturais fundamentais – mas cujo êxito depende de avanços no entendimento de como funciona a educação e do que é necessário para fazer uma escola funcionar.
O que funciona e faz melhorar a educação é o que acontece na sala de aula. E o que acontece na sala de aula depende de 3 fatores principais. O primeiro deles é um currículo adequado – o que o Brasil não possui. Sequer possui o entendimento do que seja um currículo adequado – como ficou patente no processo e na sua resultante – a BNCC (Bases Nacional Curricular Comum). Para a educação avançar é necessário um currículo com cara de currículo, elaborado de maneira adequada, por pessoas do ramo. Trata-se de uma especialidade que requer o concurso de especialistas, não o clamor da galera. No caso do ensino médio são necessários currículos efetivamente diversificados e também escolas diversificadas – com vocação acadêmica ou profissional – conforme o caso. Ao lado do currículo, é necessário estabelecer mecanismos adequados de avaliação. Isso o Brasil sabe fazer bastante bem, há instituições especializadas e capazes. Mas não está sendo feito – e, se elaborado com base na BNCC, não levará a grandes avanços.
Um terceiro componente são os materiais a serem usados nas escolas. A centralização da produção de materiais resultante das políticas do PNLD levou à elaboração de livros de baixa qualidade pedagógica – se comparados com livros didáticos de países educacionalmente mais avançados. A multiplicidade de exigências eliminou o autor – o livro ficou sem autoridade e sem consistência – o objetivo dos editores é passar nas centenas de critérios dos avaliadores. Tudo isso é absolutamente desnecessário – hoje existem tecnologias que mudaram o conceito de economias de escala na produção de livros didáticos, da mesma forma que existem sistemas de logística que dispensam e superam de longe a capacidade operacional de um governo central.
E finalmente, a sala de aula. Se há um currículo, uma avaliação, materiais adequados e um professor responsável e responsabilizado para ensiná-lo, há chance de melhorar a aprendizagem dos alunos. O alinhamento é essencial, mas não basta consistência: é necessário que o material didático seja adequado ao currículo e aos alunos e que o professor seja capaz de utilizá-lo, utilizando protocolos adequados de ensino.
Protocolos adequados de ensino. Médicos e pilotos – para dar apenas dois exemplos – são profissionais nos quais confiamos em situações de vida ou morte. Eles seguem rigorosamente protocolos. Em educação existem evidências robustas sobre o que funciona ou não na sala de aula. Mas esse conhecimento não faz parte do repertório da cultura educacional brasileira – a ideia de protocolos é explicitamente rechaçada pelas instituições que formam nossos professores – tudo em nome de uma suposta e ilimitada “autonomia”.
Revogar e ajustar algumas leis poderia criar espaço para avanços na educação. Mas mesmo na ausência disso há conhecimentos e experiências, inclusive no Brasil, que permitiriam ao governo federal e aos novos governadores imprimir, a curto prazo, avanços significativos na aprendizagem dos alunos. E, havendo descortínio, criar condições para avanços ainda maiores e sustentáveis a longo prazo – se aproveitarmos o bônus demográfico para criar novas carreiras e formas de acesso ao magistério – sem passar pelo formalismo inócuo e perverso das faculdades de educação.
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