Medalha do Mérito Indigenista pro… Bolsonaro? É isso mesmo? Pro Bolsonaro? Acham que a gente vai acreditar numa maluquice dessas? Eita, povo pra inventar coisa. Dei uma risada, deixei pra lá e fui cuidar da vida. Juro: foi assim que reagi quando recebi a notícia. Pouco depois, chegaram algumas repercussões indignadas, inclusive de amigos confiáveis. Achei que tinham caído numa fake news.
Novamente não dei importância. Aliás, cheguei a advertir um dos remetentes que não levasse em conta, porque se tratava obviamente de uma brincadeira. Medalha pra Bolsonaro por “mérito indigenista”. Quá, quá, quá! Logo pra ele, que já disse – e eu estava lá na Câmara e vi com esses olhos que a catarata há de comer – quando ele falou que a cavalaria americana é que sabia trabalhar porque exterminou os índios e, portanto, havia acabado com esse “problema” por lá.
Não demorou e começaram a chegar as confirmações da medalha. Continuei desconfiado, voltei à mensagem inicial, com a portaria do Ministério da Justiça, publicada no Diário Oficial. Estava tudo lá: – o selo com as Armas da República e o outro, da Imprensa Oficial, com aquela tocha cercada por folhas de louros. Acostumado a lidar na área das fake news desde quando ministrei uma disciplina na Faculdade de Comunicação da UnB sobre este tema, hoje acho fácil falsificar um documento oficial. Ora, se a inteligência artificial já permite que se falsifique com qualidade excepcional fotos, imagens em movimento, falsificar uma simples portaria é moleza. Foi quando um colega me enviou um link para acessar diretamente a página do Diário Oficial. Abri. Conferi. Dei uma checada pra ver se o link também não era falso. Pior: era… verdadeiro! Quase caí das pernas:
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– Caraca, véi, é verdade mesmo! Esse povo não tem limite algum, vá ser cara-de-pau assim no raio que os parta!
Haja óleo de peroba!
A capacidade de superação dos integrantes do atual governo ultrapassa todos os limites. Logo ao acordar já me preparo para a próxima pancada, que certamente vai superar facilmente o limite do inverossímil. A auto-concessão da medalha foi ato urdido, desenhado e realizado ali dentro do Palácio do Planalto. E feito na medida para atingir exatamente os objetivos pretendidos. Para “dourar a pílula”, incluíram entre os agraciados, além de Bolsonaro e seus ministros e outros auxiliares diretos, indígenas de diversas etnias. A medida serviu para dar credibilidade ao ato, o que ficou muito claro na solenidade de entrega do galardão, quando era possível ver-se dezenas de indígenas aguardando sua vez de ostentar a comenda. Quando acreditei na veracidade da canalhice praticada, pensei – “Eles devem fazer essa entrega em solenidade fechada, ali na moita, pra não dar muito na vista”. Ledo e Ivo engano. Bolsonaro sentiu-se tão à vontade que se superou mais uma vez. Teve o desplante até de colocar um vistoso cocar e com ele posou para fotos e imagens. Ora, se é para escarnecer, então vamos fazer a festa completa, não é mesmo? Entre os políticos, costuma-se dizer que por cocar na cabeça dá azar…
Nelson Rodrigues dizia que “ os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”. É hora de acrescentar que os canalhas são tão invencíveis quanto os idiotas. Além de muitos, eles não têm qualquer vestígio de pudor. Senão, vejamos mais alguns exemplos.
PublicidadeNegro? Sim, negro e racista!
A cara-de-pau tornou-se condição sine qua non para alguém fazer parte deste governo. Tornou possível, por exemplo, que o presidente de uma fundação destinada a defender a negritude e enaltecer a contribuição da raça negra que foi escravizada aqui até outro dia, seja um espécime sui generis: ele é negro e… racista! Só pra refrescar a memória, no dia das comemorações da Consciência Negra, no final do ano passado, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo afirmou, para espanto geral, que ” o povo brasileiro precisa acordar para a natureza intrinsecamente racista do Dia da Consciência Negra”. Chamou a data de “Dia da Vitimização do Negro”, “Dia da Mente Negra Escravizada pela Esquerda”, “Dia do Culto ao Ressentimento pelo Passado” e “Dia de Luta pela Divisão Racial do Povo”. É pouco ou quer mais?
Idêntica e nojenta postura foi adotada pelo então ministro do Meio Ambiente (ou seria Ministro da Destruição do Meio Ambiente?) Ricardo Salles, que em plena reunião ministerial, com apoio de seu chefe e uma postura complacente de apoio de seus pares defendeu: “Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de covid, e ir passando a boiada, e mudando todo o regramento (ambiental), e simplificando normas”. Disse e cumpriu. Começou com a transferência do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura a atribuição de conceder a uma empresa privada o direito de explorar as riquezas de uma floresta pública. Ou seja: colocou a raposa pra tomar conta do galinheiro. Outra medida, felizmente barrada, possibilitava a regularização de desmatamentos ilegais em áreas de preservação permanente na Mata Atlântica, o bioma mais ameaçado do país. E foi além: Salles e Bolsonaro assinaram um decreto instituindo “audiências de conciliação “ antes da aplicação de multas ambientais. Ou seja, mais um empecilho para as punições aos infratores, reduzindo a atividade da fiscalização. E mais: o então ministro reduziu de 96 para 23 o número de integrantes do Conselho Nacional do Meio Ambiente. Ou seja: botou mais gente do governo e menos representantes dos órgãos ambientais no Conselho. A proporção de representantes do governo federal aumentou em relação aos indicados por governos estaduais e ONGs ambientalistas, e foram suprimidos os representantes sem direito a voto, indicados pelo Ministério Público Federal, pelos Ministérios Públicos dos Estados e pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. Por último: Salles exonerou fiscais do Ibama pouco depois da ação deles em operações realizadas em terras indígenas.
Ora, um presidente que ganha uma medalha de mérito indígena depois de dizer que gostaria de tê-los extinguido como fez a Cavalaria Americana; um racista à frente de um órgão de defesa e exaltação da negritude e um ministro do meio ambiente que só trabalhou para destruí-lo são apenas três exemplos da cara-de-pau reinante.
Como dizia um falecido apresentador de televisão do Piauí, diante de algum absurdo: – Eu morro e não vejo tudo!
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