Como sempre fazia durante o período noturno em que a humanidade descansava, Jaci lera o Livro dos Espíritos de Allan Kardec. Estudiosa assídua de todas as religiosidades, ficava triste ao perceber o completo abandono com que tratavam da sua própria espiritualidade. E esta dor aumentava por perceber que tal fato tinha relação direta com o descaso imposto às comunidades indígenas. Sabia ela que várias autoridades e inúmeros brasileiros seguiam pregando que os índios não eram pessoas humanas, sequer possuindo alma. Ela não conseguia entender a maldade para com o seu povo, desde que os europeus aportaram em sua terra no dia 22 de abril de 1500.
Daí o interesse provocado pela leitura espírita. Queria conhecer melhor as palavras navegadas pelo francês nascido com o nome Hippolyte Léon Denizard Rivail. Em busca desses novos saberes, Jaci leu vários livros de autores espíritas, dedicando-se atentamente aos que eram psicografados. Na sua vasta lista de livros lidos e alguns ainda por ler, estavam André Luiz, Bezerra de Menezes, Cairbar de Souza Schutel, Chico Xavier, Edgard Armond, Eurípedes Barsanulfo, Gustave Geley, Herculano Pires, Léon Denis, Meimei, Yvonne do Amaral Pereira e Zilda Gama.
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– Meninos! Li esta semana vários livros de escritores espíritas e estou encantada – iniciou Jaci. – E impressionada também, pois vários são psicografados. São os espíritos que escrevem os livros através de médiuns muito especiais.
– Verdade, Jaci! Os livros escritos através dos médiuns são mesmo de impressionar – concordou Oxalá. – Você já leu os livros do pai Rubens Saraceni? Os Mestres da Luz escreveram através dele mais de cinquenta livros. Minha turma da Umbanda gosta muito do que ele escreveu.
– Confesso que não, Oxalá – respondeu, humildemente, Jaci. – Eu não sabia que existiam livros psicografados na Umbanda ou no Candomblé. Vou colocá-los imediatamente na minha lista de leitura.
– Não precisa se desculpar, Jaci. Realmente a nossa manifestação mediúnica mais comum é a da incorporação entre a entidade e o chakra do médium – esclareceu Oxalá, para logo candidamente sorrir. – Como dizia Pai Rubens Saraceni: “Médium é médium, seja de Umbanda, Candomblé ou Espiritismo, não importa a doutrina que ele siga”.
Publicidade– Vou ler o que ele escreveu e debateremos na próxima reunião, prometo. E quanto estiver pronta, falarei dos xamãs, dos pajés e dos espíritos que visitam as nossas aldeias – comprometeu-se Jaci. – O que vocês acham dessa frase de Allan Kardec: “Os homens semeiam na terra o que colherão na vida espiritual: os frutos da sua coragem ou da sua fraqueza”?
– O Kardec tem razão em seu argumento, afinal “de que serve ao homem conquistar o mundo e se perder a alma?” – interveio Emanuel. – Na verdade eu sempre indago: O que dará o homem em troca da sua vida?
– Lindo Emanuel! A vida tem sido muito sacrificada pelos seres humanos. Eles têm idolatrado acima de tudo o dinheiro – arrematou Jaci. – Daí porque gostei muito de uma frase de Chico Xavier que é mais ou menos assim: “Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova no livro do tempo. Aquilo que colocarmos nela, corre por nossa conta”.
– Chico Xavier sempre gostou de suas mensagens Emanuel – brincou Oxalá. – Daí uma dúvida me surge agora: Você não é o espírito mentor dele, aquele que é o autor da maior parte dos livros psicografados que ele publicou?
– Você sabia que me perguntam muito isso? – respondeu Emanuel para Oxalá. – Mas não sou o Emmanuel de Chico Xavier.
– O Emmanuel de Chico Xavier não é o nosso Emanuel. E você sabe disso Oxalá – confirmou Jaci, demonstrando o conhecimento adquirido com a leitura sobre o espiritismo – O Emmanuel é um espírito que já reencarnou em várias vidas. Ele já foi sacerdote no Egito, escravo na Síria, romano no Chipre e bispo na cidade de Lyon. Ele também viveu encarnado em padre Manuel da Nóbrega, padre Damiano e padre Amaro. Acho até que ele foi contemporâneo de Emanuel quando ele andou por Jerusalém. Você o conheceu quando ele era o senador romano chamado Públio Lentulus, Emanuel?
– Salubá, Nanã! – gargalhou Oxalá, saudando a orixá da reencarnação, não deixando Emanuel responder. – Eis um espírito que também não se assossega. Onde será que ele está agora?
– Bom! Segundo disse Chico Xavier ele já estaria reencarnado no interior de São Paulo – respondeu Jaci.
– Que legal, Jaci! Mas saiba que respeito muito os médiuns – ponderou, sério, Oxalá. – Vocês sabiam que o nome umbanda vem da expressão adâmâco aumbandan e significa “o conjunto das leis divinas”? E que estas leis foram anunciadas no Brasil em 1908 pelo Caboclo das Sete Encruzilhada, através do médium Zélio de Moraes?
– Eu já disse que ia incluir nos meus estudos a mediunidade na umbanda e no candomblé – interrompeu Jaci.
– É só um spoiler do que você vai encontrar – sorriu o bem-humorado Oxalá. – E não fiquem com ciúmes quando descobrirem que o Caboclo das Sete Encruzilhada declarou a opção pelos pobres, negros e índios, segundo o evangelho do Novo Testamento.
– É melhor você mudar de assunto, Jaci – riu Emanuel. – Senão Oxalá já conta tudo que sabe.
– Verdade, Emanuel! É melhor mudar de assunto – gargalhou Jaci, para devolver a provocação a Oxalá. – “Com o egoísmo e o orgulho, que andam de mãos dadas, haverá sempre um caminho para o mais sagaz, uma luta de interesses, onde são pisoteadas as mais santas afeições”, escreveu Allan Kardec, no O Evangelho Segundo o Espiritismo.
– Eu não visto essa carapuça, Jaci – disse Oxalá, fingindo-se zangado.
– Sabemos disso, Oxalá! Você é um exemplo a ser seguido. – apaziguou Jaci. – “As boas ações são a melhor prece, por isso que os atos valem mais que as palavras”, O Livro dos Espíritos, questão 661.
– Eis a nossa sábia, Jaci! – elogiou Emanuel, para depois parodiar um dos ensinamentos de seu Pai. – Bem-aventuradas as pacificadoras, porque serão chamadas filhas de Tupã.
– E viva Emanuel e o seu amor como maior dos argumentos! – agradeceu Jaci. – Então continuemos a falar sobre os médiuns e os espíritos assim que Oxalá me emprestar os livros que falou.
– Amanhã mesmo trago os livros – concordou Oxalá. – Os espíritos dos terreiros agradecem a gentileza.
– Ótimo! Vou ler com muito carinho – encerrou Jaci. – Mas deixo como reflexão um belo ensinamento de Bezerra de Menezes, que bem reproduz os nossos diálogos: “Solidários, seremos união. Separados um dos outros seremos ponto de vista. Juntos, alcançaremos a realização de nossos propósitos”.
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