Se 2020 está sendo um ano muito difícil, 2021 vai exigir ainda mais de nós, mesmo com a perspectiva da chegada da vacina contra a covid-19 e a retomada da “normalidade”.
A tendência é uma piora significativa na conjuntura econômica e social. A aparente “recuperação da economia” alardeada pelo governo não é um processo sustentável. Não estamos vivendo o “alvorecer de um novo ciclo de crescimento”, como cantam alguns arautos, que propicie a retomada robusta das atividades e a geração consistente de empregos.
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O padrão dos dados, seja na indústria, no comércio e serviços se mantém, com uma recuperação pós-abertura das atividades, sucedida da desaceleração do crescimento. O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre 2020, divulgado pelo IBGE na última quinta-feira (3) segue o mesmo padrão.
Em relação ao trimestre anterior, o PIB “cresceu” 7,7%, mas caiu 3,9% em relação ao mesmo período de 2019 e contribui para o encolhimento de 3,4% da economia nos últimos 12 meses.
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É evidente que temos uma queda acentuada do PIB em função da pandemia, um PIB que já vinha em uma desaceleração relevante.
PublicidadeA economia brasileira foi pega num péssimo momento pela covid-19, pois ainda não havia recuperado o nível produção anterior à recessão de 2015/2016, em boa medida em função das políticas de austeridade aprofundadas pela dupla Bolsonaro/Paulo Guedes.
A pandemia foi um choque negativo e poderoso sobre um organismo que não vinha nada bem. Mas não foi a pandemia que inventou a queda. Ela apenas tornou o despencar mais abrupto e o abismo mais profundo.
O que o governo comemora como “retomada da economia” é apenas a subida da curva em um gráfico desenhada pela reabertura da indústria, do comércio e das atividades de serviço, que haviam sido paralisadas pelos protocolos sanitários exigidos para deter a covid-19. É apenas um efeito estatístico dessa reabertura.
Com a quase normalização da economia, é natural que o PIB cresça em relação a períodos anteriores à parada quase total da quarentena. Mas basta olhar os mesmos gráficos celebrados pelo governo para perceber que o crescimento, mês a mês, é cada vez menor. Após o choque estatístico gerado pela reabertura, a curva desacelera — como um carro empurrado ladeira abaixo que, ao chegar ao terreno plano, ainda tem alguma força para seguir em frente, ainda que seu motor esteja parado.
A indústria, por exemplo, recuperou seu nível de produção pré-pandemia. Mas o número de horas trabalhadas no setor ainda é muito baixo em relação ao período anterior à recessão. O mesmo ocorre com o número de empregos. O ilusório choque estatístico se repete no comércio e serviços. Neste último caso, sequer se recuperou o nível anterior à pandemia.
No que diz respeito à vida das pessoas, não há como se falar em reação estrutural da economia. Segundo a PNAD/IBGE, temos mais de 14 milhões de desempregados — gente que está sem trabalho, mas procura uma vaga. O percentual de pessoas desocupadas é o maior da série histórica, iniciada em 2012.
Com o fim do auxílio emergencial, o quadro do desemprego tende a explodir, pois as pessoas que estão fora do mercado de trabalho por contarem com esse recurso — e que não entram na estatística do desemprego — vão voltar a procurar ocupação. Para se ter uma ideia, a população fora da força de trabalho aumentou em 13,7 milhões comparando setembro de 2020 com o mesmo mês em 2019. A redução de benefícios sociais levará mais pessoas ao mercado de trabalho, que será incapaz de absorvê-las, ampliando ainda mais o desemprego.
O fim do auxílio emergencial, o desemprego e a queda da renda do trabalho tecem um quadro desolador para o próximo período, com aumento da pobreza, da miséria e do desespero. O fim do auxílio sem recuperação do mercado de trabalho não faz qualquer sentido, a não ser pelo fanatismo fiscal da equipe econômica, num momento em que o mundo todo está discutindo estímulos fiscais para a recuperação de suas economias.
Segundo projeção dos economistas Daniel Duque, Tiago Martins e Paulo Peruchetti, publicada no Blog do Ibre, da Fundação Getúlio Vargas, o desemprego teria alcançado os apavorantes 36%, no segundo trimestre de 2020, caso a jornada média e a população na força de trabalho tivessem permanecido constantes em relação a 2019.
Outro aspecto gravíssimo: a inflação para as pessoas de baixa renda está se mostrando mais elevada do que para os setores médios. Principalmente em função do preço dos alimentos, está criada uma relação inversamente — e perversamente— proporcional entre renda e inflação. O aumento dos índices de inflação pode levar a um salário mínimo maior do que o previsto na proposta orçamentária de 2021, pressionando ainda mais o teto de gasto.
O cenário, portanto, é catastrófico, combinando elevado desemprego e inflação. A única saída, em linha com a flexibilização fiscal verificada no resto do mundo, seria o governo usar sua política fiscal como ferramenta anticíclica. De um lado, aumentar os benefícios sociais. Do outro, turbinar os investimentos públicos como motor de crescimento, favorecendo a geração de emprego e renda.
Mas — além de queda, coice — o Brasil não tem atualmente um governo petista. Estamos sob o comando econômico de Jair Bolsonaro, o homem sem capacidade de empatia, e de Paulo Guedes, o Chicago Boy que canta o arrocho como um mantra, agarrado à ortodoxia do aluno medíocre que decorou, mas não entendeu a lição.
A insistência em sustentar o teto de gastos — um teto que pesa especialmente nas costas de quem precisa viver do trabalho e depende de serviços públicos — não deixa saída. Com o país em frangalhos, o retorno ao teto em 2021 implicará queda de oito pontos percentuais na despesa, prejudicando políticas sociais e investimentos. Não há equilíbrio fiscal possível sem a retomada do crescimento.
O Brasil está sendo estrangulado e é urgente virar esse jogo, começando por novas regras de gasto, mais modernas e ajustáveis ao ciclo econômico, conforme as adotadas em diversos países desenvolvidos. Estas implicam limites ao gasto, mas não há congelamento, sobretudo de despesas com elevados efeitos multiplicadores sobre a renda, que fazem a economia crescer, reduzindo a relação dívida/PIB. Assim, é possível compatibilizar a retomada do crescimento, o financiamento a serviços públicos essenciais e a sustentabilidade fiscal no médio prazo.
É o que a bancada do PT propôs na PEC 36, de 2020, assinada por senadores de diversos partidos políticos e que merece ser discutida urgentemente como opção ao austericídio contratado para 2021.
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