A onda da esquerda chegou na América Latina. As recentes eleições no Chile, Peru, Bolívia e Honduras definiram recentemente governos esquerdistas. Em 2022 será a vez de Brasil e Colômbia definirem a direção de suas políticas.
Essa mudança é em grande parte atribuída a uma demanda por agendas tipicamente de esquerda causadas pela pandemia. Com o isolamento social em todo o mundo, a produção e o comércio foram muito prejudicados, levando ao fechamento de empresas, à perda de empregos, a menor arrecadação fiscal e a uma crise econômica generalizada, além de dealento e preocupação com a saúde pública e a vida das pessoas.
Neste ponto, a agenda esquerdista encontrou espaço. As principais demandas das pessoas na América Latina, especialmente as famílias mais pobres, residem nas políticas de saúde e distribuição de renda. O clamor popular e o discurso esquerdista foram atendidos.
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Mas o Brasil ainda é um caso peculiar. Desde a redemocratização até 2018, as eleições no Brasil sempre tiveram como narrativas a esquerda versus a ala anti-esquerda, que não era a direita, mas o centro e a centro-esquerda. E nas últimas décadas a esquerda tem sido personificada pelo ex-presidente Lula.
A direita conservadora, até antes de 2018, não tinha uma voz representativa nas eleições presidenciais. E o Brasil é tradicionalmente um país conservador, por causa de sua história, por causa de seu passado. Portanto, de um ponto de vista democrático, é importante que este setor da sociedade tenha sua representação.
Pela primeira vez em sua história democrática, o Brasil tem dois elementos interessantes. O primeiro é que o país está testemunhando uma disputa eleitoral onde os dois principais candidatos estão em polos opostos do diagrama político: um da esquerda e outro da direita, o que polariza o debate com propostas muito diferentes. A segunda é que também pela primeira vez o Brasil tem dois candidatos principais que já exerceram a Presidência, o que reduz muito a incerteza sobre o que esperar de um futuro governo de ambos os lados.
PublicidadeE de acordo com a mais recente pesquisa eleitoral local, o presidente Bolsonaro diminuiu a diferença para o ex-presidente Lula. No cenário estimulado, Lula tem 46% das intenções de voto. Bolsonaro, por outro lado, está em segundo lugar, com 29% dos eleitores.
E neste cenário polarizado, outro fator importante para definir o segundo turno é a rejeição de cada candidato. Neste aspecto, Bolsonaro tem hoje a maior rejeição, com 59%, contra 43% para Lula.
Mas Bolsonaro tem a vantagem de estar a cargo da Administração Pública, com a oportunidade de implementar políticas populistas e de distribuição de renda. E isto pode mudar o cenário durante a corrida eleitoral.
A chamada “terceira via” tem poucas chances de ganhar competitividade.
Independentemente de quem será o próximo governante, um fato relevante é o poder e o protagonismo que o Congresso ganhou nos últimos anos. O presidente da Câmara dos Deputados tem o poder de aceitar pedidos de impeachment em uma decisão monocrática e, sob o comando do chamado “Centrão”, o grupo de partidos centrais que apoia o Governo, os parlamentares indicaram nomes para alguns dos principais cargos-chave na Esplanada e hoje conduzem uma boa parte do orçamento público. Por meio de emendas parlamentares, o Congresso controla 24% do valor para despesas e investimentos não obrigatórios. Isto é 20 vezes mais do que os países da OCDE.
Independentemente de quem for eleito presidente, o setor privado terá que manter um bom diálogo com o Congresso Nacional.
Em uma eventual nova gestão Bolsonaro, pode ser esperado um padrão de governo muito semelhante ao atual. Na administração do Poder Executivo, podemos esperar um governo mais hermético à participação social, com menos conselhos participativos e menos redes de políticas públicas. No Poder Legislativo, podemos esperar a continuidade do Congresso determinando a agenda política e controlando uma parte muito expressiva do orçamento público, mantendo uma relação de estabilidade frágil e tensa com o presidente. Esse tem sido o projeto de poder do grupo de congressistas que apoia o governo, o Centrão – manter o protagonismo do Poder Legislativo e continuar sua crescente aquisição de poder em relação ao Poder Executivo. Essa tem sido até mesmo a principal preocupação do atual presidente, de modo que ele tem demandado por um general para ser seu vice-presidente, alguém que “não queira ocupar seu assento”.
Em uma eventual nova Administração Lula, encontraremos um presidente que será diferente do anterior. Possivelmente ele não assumirá o cargo com a mesma popularidade e apoio que tinha nas administrações anteriores. Será um Lula que terá que lidar com o fantasma das acusações de corrupção em seu governo anterior. Em outras palavras, ele não terá o mesmo capital político que tinha antes. E pela dinâmica da cultura política brasileira de coalizão presidencial, não apenas o eventual presidente Lula, mas também o setor privado terá que dialogar intensamente com o Poder Legislativo para construir apoio e consenso.
Desta vez, Lula encontrará um Poder Legislativo mais forte, que não vai querer perder o protagonismo que ganhou. Em outras palavras, o Poder Legislativo, também nessa hipótese, será um elemento chave no debate e na construção da agenda política. E do ponto de vista da participação social, uma das marcas do passado da Administração Lula foi sua proximidade com o setor privado. Assim, a partir dessa perspectiva também podemos esperar um padrão muito próximo, com um possível Governo Lula abrindo canais de participação social a fim de aumentar o apoio da opinião pública.
Do ponto de vista empresarial e dos planos do governo, Bolsonaro foi eleito com um projeto econômico liberal. Ele não conseguiu implementar seu projeto até o primeiro ano e meio de sua administração porque não conseguiu consolidar uma coalizão de apoio no Congresso. E no período seguinte ele não conseguiu atingir plenamente os objetivos de sua agenda porque o grupo parlamentar com o qual ele construiu sua base de apoio não concordou com parte de sua agenda e apenas aprovou o que eles achavam adequado, de acordo com seus próprios interesses, com alguns avanços importantes na desburocratização e na abertura de mercados. Em uma eventual continuidade do governo Bolsonaro, a tendência hoje é esperar uma agenda que contrasta com a tradicional agenda de esquerda, mas que na prática está muito mais alinhada com os objetivos e interesses do grupo parlamentar que compõe a base do governo. Em outras palavras, conheceremos as promessas da campanha, mas o que elas realmente serão dependerá do resultado da eleição para o Congresso, para Presidente da Câmara e para a coalizão que será formada.
A agenda econômica de uma futura administração Lula é menos anunciada, mas mais esperada. Em suas administrações anteriores, Lula se aproximou dos líderes empresariais para diminuir os temores de sua agenda e para construir apoio, chamando um empresário para ser seu vice-presidente. Em uma nova Administração Lula, o padrão deve ser repetido. Prova disso é o fato de ele ter nomeado como seu vice-presidente um ex-governador de São Paulo, o estado com o maior PIB do Brasil, que tem um estreito diálogo com o setor empresarial. A tendência é de manter a essência dos investimentos públicos e dos incentivos ao setor privado.
Em cada caso, Bolsonaro ou Lula, o Brasil terá agendas econômicas diferentes, mas com um elemento comum, que é o protagonismo do Poder Legislativo.
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