Emanuel não conseguia esconder a sua impaciência. O seu Pai havia sido claro em sua mensagem de perdão, tolerância e amor aos mais pobres. Ainda assim, diariamente, percebia a indiferença de grande parte de seu povo para com a pobreza que aumentava no Brasil, o desemprego que retirava a dignidade das pessoas, a miséria que devastava vidas e o desalento que impedia a reação sobrevivente. Questionava-se sobre os possíveis erros de comunicação ou mesmo se seria necessário um novo sacrifício pessoal para ensinar o verdadeiro significado de se viver em plena comunhão.
– Eita, parece que Emanuel está brabo de novo! – exclamou, descontraindo o ambiente, a sensível Jaci. – Cuidado com a recaída, amigo!
– Realmente ele está lembrando a história dos vendilhões do Templo que João contou – seguiu Oxalá, brincando com o seu amigo. – O que agonia você? Podemos ajudar?
– Sei não, amigos! – sorriu Emanuel, já sereno. – Vocês também têm os mesmos problemas que o meu.
– Os deuses sempre têm problemas com os defeitos das criaturas que colocaram no mundo. Tupã reclamava muito de Rupave e Sypave. Dizia, brincando, que talvez tivesse sido a argila que usou – gargalhou Jaci. – O barro de vocês também estava ruim?
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– Será? Eu confesso que estou impressionado como essas criaturas, nascidas do mesmo barro, desprezam as pessoas pobres – explicou Emanuel. – Não enxergam como seus irmãos e irmãs estão carentes de ajuda e respeito?
– Além disso, exibem a riqueza com ostentação, soberba e assumido desdém – concordou Oxalá. – Nas redes e colunas sociais os excessos exibidos são os recursos que faltam nas mesas alheias. E se orgulham de tudo isso.
– Acho que a soberba e a ganância os fazem esquecer de que estamos escutando as blasfêmias que expelem – observou Jaci. – Esta noite escutei várias falas dessa insensatez desumana. Tipo: de como fazer para que não se tribute suas riquezas, de como impedir que as cotas sociais e raciais sigam aprovadas, de como acabar com os direitos da classe trabalhadora, de como garantir que as vacinas sejam destinadas aos abonados… Enfim, todo tipo de heresia assemelhada.
– Logum me disse que vários deles acreditam ser um absurdo que o filho de um zelador possa entrar para a faculdade e, com saber adquirido e o exemplo aprendido, zelar para que não seja o único em sua família. – interrompeu Oxalá. – Até parece que acreditam ou querem que acreditemos que pessoas com bens são semelhantes às pessoas de bem.
– “Nós somos pessoas de bem” – disse, jocosa, Jaci. – Este é o autoelogio que mais escuto em suntuosos jantares, vistosos iates, luxuosos carros ou corpos enfeitados em grife. Acho que são filhos e filhas de outro erro de Wanadi.
– É a tal meritocracia do dinheiro – suspirou Emanuel. – Eles sabem, expressamente, “quão difícil é entrarem no Reino de Deus os que põem a sua confiança nas riquezas”.
– Eles já ouviram você explicar que é até mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha – provocou Jaci. – Mas como os ouvidos deles tinham paredes para as suas palavras, Anhangá já angariou vários deles para a sua moradia.
– Omolu fala que mesmo na hora da passagem para o outro plano espiritual, querem saber se podem levar as suas propriedades – ironizou Oxalá. – A ganância é o mais terrível dos dragões já enfrentados por Ogum.
– Realmente Jorge fala muito sobre isso quando vai lá em casa – registrou Jaci, para depois descontrair o ambiente. – “Não é tempo para silêncios”, como diria um brasileiro nascido nas margens do Velho Chico.
– Então vamos pactuar que a nossa missão será a de remover as paredes dos ouvidos das pessoas que odeiam, desprezam, escravizam, exploram e assassinam os pobres – resumiu Emanuel, esperançoso e esquecido da sua agonia inicial. – E, como disse o apóstolo Paulo à Timóteo: Vamos combater o bom combate!
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