O processo eleitoral relativo a 2022 foi precoce e definitivamente deflagrado.
Trata-se de um fato político e não pode mais ser ignorado por todos aqueles que, por diferentes razões, acompanham a vida política, econômica e social do país.
Tudo indica que as questões centrais da campanha eleitoral estarão focalizadas nos temas econômicos, cujos contornos apontam, neste ano que se inicia, para um baixíssimo crescimento ou até mesmo para uma recessão, elevados índices de desemprego e subemprego e alto patamar inflacionário, responsáveis desde agora pelo quadro de aumento da pobreza e da miséria.
Outro tema que estará inexoravelmente presente é o da pandemia, que, ainda que tenha experimentado algum arrefecimento, está muito longe de ser superado, haja vista o aparecimento da última variante do vírus, que gerou uma nova onda de apreensão em todo o mundo.
Entre nós, esse quadro é particularmente agravado em razão do negacionismo que alimenta o discurso, as ações e omissões do governo federal.
Segundo as mais recentes pesquisas eleitorais, o tema corrupção, diferentemente do que se deu nas eleições de 2018, quando foi proeminente, ocupa o terceiro ou quarto lugar nas preocupações do eleitorado brasileiro, ombreando-se com outras demandas sociais.
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Nesse contexto, e até pela absoluta prevalência dos temas econômicos no debate nacional, temos acompanhado, desde 2019, um crescente e articulado esforço de distintas forças políticas visando o enfraquecimento dos instrumentos jurídicos e institucionais voltados para o enfrentamento dos casos de corrupção no país.
Destaque-se, a propósito, o papel que o Supremo Tribunal Federal vem desempenhando na demolição das conquistas judiciais alcançadas pela denominada operação Lava Jato, mas não somente circunscritas a ela, no combate às práticas corruptoras enraizadas na administração pública e no universo político nacionais.
Esse triste desempenho do STF decorre do fato de que a maioria dos seus ministros tem acolhido teses jurídicas consubstanciadas em questiúnculas e filigranas procedimentais que foram rechaçadas nas três instâncias judiciais que o antecederam no julgamento de questões envolvendo crimes praticados contra a administração pública.
Em consequência dessas equivocadas decisões, ações penais que consumiram longos anos de investigação e tramitação vêm sendo anuladas e inviabilizadas. E as pessoas que a ela respondiam têm sido, quase que invariavelmente, beneficiadas pelo instituto da prescrição, uma vez que os prazos prescricionais previstos pela legislação para esses crimes são relativamente curtos, notadamente para os investigados e ou acusados que tenham alcançado os setenta anos de idade.
Note-se que essas decisões do STF não examinaram nem poderiam ter examinado o mérito das acusações. Mas esses imaculados senhores, dedicados que são ao culto da “verdade”, vociferam aos quatro cantos que foram inocentados.
Alguns deles, inclusive, animados pelo desígnio de retornar ao proscênio político, em comovente comunhão com os seus aliados e defensores, promovem festas e jantares em plena pandemia. São as festas de louvação à deusa da impunidade, historicamente muito generosa nestas plagas tupiniquins.
A luta anticorrupção vem sofrendo derrotas que apontam para a derrocada final da chamada Nova República, inaugurada com o fim da ditadura militar (1964-1985) e coroada com o advento da Constituição Federal promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte em 05 de outubro de 1988.
Dentre esses reveses, destacam-se a decisão do STF que considerou inconstitucional a execução provisória da sentença penal condenatória confirmada ou proferida em segunda instância, bem como a recente aprovação pelo Congresso Nacional de uma ampla e profunda reforma na Lei de Improbidade Administrativa que estava em vigor desde 1992. Essa reforma, em razão das grandes mudanças por ela trazidas, quase todas elas para favorecer os maus administradores públicos, na prática, gerou uma nova lei, apropriadamente alcunhada de Lei da Impunidade.
O último absurdo do STF foi a decisão de aceitar a versão apresentada pelos Presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados para o chamado Orçamento Secreto, consistente nas Emendas do Relator ao Orçamento Federal, que permite a destinação, em 2022, de quase 20 bilhões de reais a entidades públicas e privadas por parte dos parlamentares, sem a apresentação e aprovação prévias de projetos de interesse público e sem qualquer garantia de fiscalização técnica quanto ao emprego desses vultosos recursos. Ficou tudo em uma promessa de que em futuro próximo haverá esclarecimentos que permitirão uma eventual fiscalização quanto à aplicação dessas exuberantes verbas orçamentárias.
E os outros bilhões de reais dessa inovadora modalidade orçamentária destinados em 2020 e 2021?
Fica a indagação: não deveria o STF, na condição de guardião da Constituição Federal, zelar com maior rigor pela observância estrita dos princípios republicanos insculpidos em diferentes dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, principalmente em se tratando dos escassos recursos públicos?
Essas e outras mudanças legais, já consumadas, em curso e sendo gestadas no âmbito do Congresso Nacional, compõem um quadro onde se vislumbra um grande e articulado movimento parlamentar que tem como objetivo estratégico a demolição da estrutura central do nosso sistema de justiça anticorrupção, que, diga-se de passagem, já apresentava flagrantes fragilidades.
Outra evidência indiscutível dessa situação encontra-se retratada no fato de que esse movimento parlamentar conta com o apoio quase unânime dos principais partidos políticos, da esquerda à direita, a revelar que as suas diferenças pela conquista e manutenção do poder não os dividem quando se trata de assegurar a impunidade pelos seus eventuais atos de ilicitude administrativa e ou criminal.
Não foi por outra razão que a proposta de emenda constitucional número cinco, conhecida como PEC da Vingança, que visava transferir o controle do Conselho Nacional do Ministério Público ao Congresso Nacional, apresentada por um deputado federal do PT de São Paulo e apoiada pela unanimidade dos deputados desse partido político, contou com o apoio unânime ou quase unânime dos partidos da base parlamentar do Governo Bolsonaro.
Essa PEC da Vingança foi derrotada pela estreita diferença de 11 votos. Contudo, o presidente da Câmara dos Deputados adiantou que outra PEC com o mesmo conteúdo voltará a ser examinada ainda neste ano.
Para essas forças políticas, não basta destruir ou anular a legislação anticorrupção. Ao que parece, eles querem capturar e aparelhar as instituições encarregadas de aplicá-las, seguindo o exemplo de outros sistemas políticos, que aos poucos transformaram democracias em regimes autocráticos e corruptos.
Urge, pois, confrontá-los e derrotá-los.
E a grande oportunidade para isso apresentar-se-á por ocasião do processo eleitoral que se avizinha, com a realização de eleições gerais no país.
A despeito da primazia adquirida pelas questões relativas à economia, no âmbito desse debate há um amplo espaço para mostrar e discutir os custos econômicos e sociais associados ao desolador quadro de corrupção endêmica e sistêmica instalado no Brasil.
Será fundamental cobrar dos candidatos à Presidência da República e ao Congresso Nacional compromissos claros e efetivos para reverter os retrocessos havidos na luta anticorrupção. Cobrar-lhes uma pauta mínima de compromissos e proposições legislativas e institucionais voltadas para essa temática.
Mas não devemos pecar pela ingenuidade. Os dois principais candidatos assim apontados pelas últimas pesquisas eleitorais fugirão do tema como o diabo da cruz. Mais que um pesadelo, seria uma regressão histórica e civilizacional tê-los como alternativas para a condução do país em meio à gigantesca crise que vivenciamos.
O nosso destino como nação não pode ser o de viver sob a égide de episódios como o mensalão, petrolão, rachadinhas, orçamentos secretos etc.
Muita água ainda vai rolar e a luta apenas começou.
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