Imagine uma sociedade em que, em pleno ano eleitoral, as pessoas deixem de falar sobre política para evitar desavenças e cerca de dois terços da população desconfia dos partidos políticos, do Congresso e da Suprema Corte. Além disso, o debate público não foca nas soluções para os problemas da sociedade, mas se fixa na defesa de candidatos, levando a um clima cada vez mais acirrado na política. Parece familiar? De acordo com o Datafolha e a pesquisa “A Cara da Democracia”, a sociedade que descrevi é o Brasil de 2022.
O clima político que vivemos não surgiu do nada. Temos hoje um sistema político que, embora democrático, é extremamente fragmentado, cujas instituições têm dificuldade de lidar com arroubos populistas e autoritários. Na prática, a nossa sociedade está afastada do real debate político, afinal, os partidos políticos falham em exercer seu papel de ponte legítima entre os diversos setores da sociedade e o Estado.
Esse problema não é fruto apenas da incompetência individual de cada partido, mas sistêmico, pois passa pelo conjunto de incentivos que as regras políticas deram aos partidos. As legendas possuem o monopólio legal para o lançamento de candidaturas, estando protegidas de concorrência externa. Através dos fundos partidários e eleitorais, possuem subsídios públicos milionários para o seu funcionamento. Para completar, a ausência de regras básicas, de governança partidária, garante que as legendas praticamente não se submetam à prestação de contas quanto à destinação desses recursos.
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Neste cenário, as alianças políticas se formam quase que exclusivamente de conveniências eleitorais como palanques, tempo de propaganda eleitoral e recursos do fundo partidário. Raramente estas alianças se dão em torno de ideias e propostas, como acontece nas democracias consolidadas.
Consequentemente, atores públicos que querem ter destaque alimentam uma visão demonizada de grupos que estariam em um campo ideológico oposto, ao invés de debater ideias e problemas concretos. O custo eleitoral e, em termos de alianças, dificulta o nascimento e a manutenção de vozes políticas relevantes que prezam pela democracia e pelo debate de ideias. Nutre-se um ciclo vicioso em que os quadros partidários estão cada vez mais afastados das necessidades reais da população.
Ao sairmos do discurso e olharmos a situação no Congresso e das alianças nos estados, a simples divisão direita-esquerda merece ser substituída por outra. Na prática, de um lado, temos corporativistas interessados no próprio quintal eleitoral e que pouco se importam com a democracia e instituições e, do outro, os republicanos defensores do jogo democrático, que tentam fazer um debate sério.
Contudo, não podemos esperar de braços cruzados que a situação melhore magicamente. A sociedade civil precisa demandar medidas que forcem os partidos a sair da zona de conforto e abraçar o uso da tecnologia para favorecer a democracia. Numa esfera, é preciso reduzir o financiamento estatal das eleições, com a ampliação do papel das doações individuais. Dado que o Fundão existe, o poder de destinação do uso do recurso, atualmente concentrado nos dirigentes partidários, precisa ser transferido para a população, com modelos participativos, que convoquem o eleitor para a tomada de decisão. A retomada da confiança da população nas instituições políticas será um longo processo que começa com a melhora dos partidos e o empoderamento do eleitor, que só assim passará a se envolver no debate público de maneira mais consciente e menos apaixonada.
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