“Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial”, disse o poeta baiano. Ao se lançar um olhar sobre o mundo contemporâneo, neste início de Século XXI, é inevitável que venha à tona um sentimento de estranhamento e temor. A esperança de que uma boa governança global compartilhada, a partir da quebra de fronteiras nacionais rígidas, geraria um mundo melhor, parece uma utopia cada vez mais distante.
Benjamin Netanyahu dobra a aposta, namora com o perigo extremo, expõe Israel a riscos imprevisíveis, numa escalada insana, ao bombardear o consulado do Irã em Damasco, na Síria. Não bastando a guerra sangrenta na Faixa de Gaza em resposta às atrocidades terroristas do Hamas no 7 de outubro, o governo israelense aguça a instabilidade na região ao atacar um terceiro país no território de um quarto. É difícil enxergar qualquer traço de racionalidade na decisão irresponsável do primeiro-ministro Netanyahu.
Nos EUA, após estimular um inédito atentado contra a democracia americana, com a tentativa de anular as eleições e a invasão do Capitólio, Donald Trump, entre outras várias aberrações, comparou imigrantes a animais e radicaliza seu discurso nacionalista conservador e xenófobo. Ainda assim, aparece como líder nas pesquisas e sua vitória é uma ameaça real. E não haveria apenas repercussões internas, já que em outro momento emblemático do trumpismo, o candidato republicano disse que encorajaria a Rússia a fazer “o que quer que diabos eles queiram”. Estranha conexão essa entre Trump e Putin.
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Putin foi reeleito, pela quinta vez, nas eleições de março e governará até 2030. Na contestada democracia russa, com a oposição sufocada ou morta, conseguiu o que nenhum líder político jamais conseguiu no mundo democrático, vencer uma eleição com mais de 87% dos votos. Legitimado internamente, subiu vários tons seu discurso, garantindo que a Rússia não vai se deixar intimidar, reafirmando o
fortalecimento das ações militares na Ucrânia, e ameaçando a OTAN e o Ocidente com a perspectiva de uma Terceira Guerra Mundial, inclusive com o uso do arsenal atômico russo, em caso de envio de tropas em apoio ao povo ucraniano.
Não bastassem os ventos de instabilidade que sopram a partir dos EUA, da Rússia e de Israel, a África continua devastada pela miséria, pela corrupção das elites e pelas guerras regionais. Na América Latina também não há céu de brigadeiro. A Argentina, mergulhada em
profunda estagflação, sofre um ajuste ultraliberal em cima do desastroso legado peronista liderado por um presidente um tanto exótico, agressivo e sem apoio parlamentar. Na Venezuela e na Nicarágua, Maduro e Daniel Ortega erguem um novo paradigma “democrático”, onde as vitórias eleitorais são asseguradas previamente, prendendo e excluindo adversários, reprimindo a oposição e a imprensa livre. A isso se somam as ações das gangues armadas no Haiti, a decadência cubana, a crise no Peru. Na Ásia, pontificam o ditador Kim Jong-un e suas bravatas na Coréia do Norte e a tensão entre China e Taiwan é reforçada com a eleição do presidente separatista Lai Ching-te, em janeiro.
Enfim, o mar não está para peixe no cenário global. A política externa brasileira, mais do que nunca, precisa ser guiada por sabedoria,
equilíbrio e boa dose de pragmatismo, diante de um mundo complexo com muita coisa fora da ordem.
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